Vinte e oito anos separam Teresa da Praia de The Girl Is Mine.
A primeira canção, de 1954, é uma composição de Tom Jobim e Billy Blanco, um dueto composto para ser cantada por dois cantores “rivais”, Dick Farney e Lúcio Alves, os queridinhos da canção brasileira das décadas de 1940-50. Dos primórdios da Bossa Nova, quando o estilo não era ainda conhecido ao redor do mundo, Teresa da Praia foi uma espécie de estreia de Tom Jobim na composição (não exatamente a estreia, vejam bem), mas foi sem dúvida uma canção que alcançou uma popularidade enorme, principalmente em virtude da rivalidade fictícia entre Dick e Lúcio.
The Girl Is Mine (“the doggone girl is miiiiine”) é uma composição de Michael Jackson, que ele lançou para o mundo em 1982 dividindo os microfones com ninguém menos que Paul McCartney. Sim, aquele que é equivocadamente chamado de “ex-Beatle”. Digo equivocadamente porque é mais provável que os outros integrantes da banda que são, ou foram, ex-Paul McCartney. Questão de grandeza estelar. Voltando ao Michael, reza a lenda que seu produtor, Quincy Jones, teria sugerido que ele fizesse uma música em que dois caras disputassem uma garota, e que Michael pediu a Deus inspiração, foi dormir, e acordou no meio da noite com a música pronta na cabeça. E que ele foi imediatamente registrá-la num gravador, senão já era.
Não se pode afirmar que Quincy ou Michael tivessem conhecimento de Teresa da Praia. Também não se pode afirmar o contrário. O que se sabe, entretanto, é que quando o álbum Thriller, que incluía a faixa The Girl Is Mine, foi lançado, não só Teresa da Praia já tinha alcançado uma história de sucesso razoável mesmo fora do Brasil vinte e tantos anos antes, como algumas composições de Tom Jobim já estavam entre as mais executadas do mundo, como Garota de Ipanema e suas versões, sendo uma delas a versão em inglês, The Girl From Ipanema, dueto de Antônio Carlos Jobim, o Tom, com Francis Albert Sinatra, o Frank.
As duas canções são exatamente diferentes em tudo, exceto pelo tema – dois homens que debatem sobre “de quem” é a mulher. Nesse sentido, há algumas coincidências. Por exemplo, dois cantores ao mesmo tempo, e eles se dirigem um ao outro, e o ouvinte é “platéia por acaso” dessa conversa (e não o interlocutor, como é mais comum em canções). Muito interessante o efeito, principalmente se estamos ouvindo a canção apresentada como dueto propriamente, e mais ainda se for ao vivo. Agora imaginem o efeito no público quando são dois sujeitos que o público pensava tratar-se de inimigos de morte, e que ainda por cima desejavam a mesma mulher, e se encontram para decidir a disputa... Justamente, o que acontece numa execução como essas é uma encenação muito mais completa; Tereza da Praia e The Girl Is Mine são um tipo de letra que, muito mais do que uma pessoa falando de um assunto, reproduzem uma situação inteira de um suposto conflito - dois caras falando um com o outro para resolver quem leva a gata. Isto nos faz pensar na questão dos limites entre, por exemplo, a canção em forma de dueto e o espetáculo teatral musical. Não seria a canção desse tipo uma micro-peça? E o espetáculo musical uma música comprida? Por mim, tanto faz. Desde que seja bom, não importa o rótulo.
A rigor, vale lembrar, Teresa da Praia não é uma canção de Bossa Nova, pois ela havia sido feita para e executada por dois vozeirões e anteriormente ao começo do referido estilo musical. O LP Chega de Saudade de 1958, portanto quatro anos mais tarde, que é considerado, não sem muita discussão, o marco inicial da Bossa Nova com João Gilberto sussurrando “vai minha tristeza e diz a ela...". Mas isso é assunto (e é assunto!) para uma próxima vez.
Fiz uma transcrição integral, isto é, com as partes faladas de improviso entre as partes cantadas, da gravação original da canção brasileira. Ei-la e deleita-te:
Teresa da Praia
(Lúcio) Ô Dick!
(Dick) Fala Lúcio!
(Lúcio) Arranjei novo amor no Leblon!
(Dick) Não diga!?
(Lúcio) Que corpo bonito, que pele morena!
(Dick) Não conheço...
(Lúcio) Que amor de pequena, amar é tão bom!
(Dick) Tão bom.... Ô Lúcio!
(Lùcio) Fala, meu irmão!
(Dick) Ela tem um nariz levantado?
(Lúcio) Tem...
(Dick) Os olhos verdinhos?
(Lúcio) É mesmo?
(Dick) Bastante puxados...
(Lúcio) No duro?
(Dick) Cabelo castanho...
(Lúcio) E uma pinta do lado!
(Dick) Ela é minha Teresa da praia!
(Lúcio) Hehe, pois sim... Se ela é tua ela é minha também
(Dick) Não pode ser... O verão passou todo comigo!
(Lúcio) É... mas o inverno... pergunta com quem!
(D & L) Então vamos a Teresa na praia deixar, aos beijos do sol e abraços do mar
(Lúcio) Teresa é da praia
(Dick) Não é de ninguém
(Lúcio) Não pode ser tua...
(Dick) Nem tua também!
(D & L) Teresa é da praia... não é de ninguém!
Até a próxima!
Luis Felipe
P.S. Sei que a imagem tem falhas nas pontas. As capas das revistinhas foram para o scanner como estavam e eu não fiz qualquer correção num editor de imagem. Ou será que rasguei a ponta para criar um efeito de realidade? Se a dúvida colar, está melhor do que eu ficar com fama de relaxado...
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