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terça-feira, 12 de outubro de 2010

O bom da música brasileira: uma opção entre tantas

Acho importante falar da cultura brasileira a partir do ponto de vista do músico. A música brasileira é parte da cultura. Ambas, cultura geral e música, pelo senso comum, são massacradas por opiniões nada indulgentes mas absolutamente auto-depreciativas. E digo isso porque quem critica a cultura brasileira e também a música brasileira, generalizando, são brasileiros. Brasileiro bom é o que diz que é ruim ser brasileiro, e que o ideal seria ter nascido na Europa (ocidental, grife-se, sendo Portugal o país com pontuação menor) ou nos Estados Unidos, as nossas pátrias "encantadas", como a Pasárgada para Manuel Bandeira. Claro, com a diferença que os países da Europa ocidental e os EUA existem no mundo real (mas seus cidadãos nativos não necessariamente se auto-depreciam como nós...).

Para dar um exemplo mais ou menos claro do que estou falando, quando falo de auto-depreciação, lembro sempre de uma amiga de um amigo, muito bonitinha e inteligente, mas que quando voltou de uma temporada na Inglaterra, queixava-se que “no Brasil só se escuta música ruim”; e argumentava que foi no país da rainha que um inglês apresentou para ela “a boa música brasileira” - Sérgio Mendes, Tom Jobim, Edu Lobo, para mencionar alguns dos que eu lembro ela ter citado. Mas, opa! Espera aí um pouquinho... eu pensei. Por que ela precisou ir para a Inglaterra para conhecer essas coisas?

A minha conclusão, na época, eu que já conhecia tudo o que ela havia citado, e muito mais, foi taxativa: as pessoas se deixam educar pela televisão, talvez por um único canal, então o input musical vai ser exatamente aquele que o programa de auditório do domingo à tarde escolher. Os sucessos do momento. O sucesso dos artistas que estiverem no momento do sucesso. Porque essa indústria do entretenimento, como toda indústria que só visa o lucro, e raramente a qualidade daquilo que produz, precisa tornar tudo descartável o quanto antes para lançar a novidade da hora. Por isso que até os nossos artistas se tornam descartáveis, salvo um bom punhado de semi-deuses que chegaram ao Olimpo da música brasileira, e estão acima do mercado dos mortais.

Para se conhecer a realidade da própria cultura, inclusive suas coisas boas, é imperativo às vezes ignorar a mídia e o mercado, sair desse dependência “intelectual”. Mídia e mercado são movidos por interesses muito específicos. Não estou dizendo que seja necessário fechar-se ao mundo midiático e sair pirateando filmes e CDs, os que ninguém assiste e escuta, respectivamente. Pelo contrário. Eu não pirateio nada. Compro tudo autêntico do mercado legal e exijo nota fiscal. Juro. E também procuro estar inteirado de alguns lançamentos que tocam no rádio. O que estou dizendo é que talvez a gente tenha que ter uma mentalidade mais própria, independente da mídia e do mercado, para poder conhecer as coisas boas que são feitas aqui. Eu acompanho a mídia segundo meus interesses. Eu compro do mercado o que é do meu gosto, e meu gosto musical não foi jamais determinado pela mídia. Mídia e mercado estão a meu serviço. Nunca o contrário. Ah, mas o meu gosto não é o mesmo da maioria, e por isso algumas coisas são menos acessíveis... Bom, isso é outra discussão. Nem sempre o que é melhor e o que é mais acessível são a mesma coisa. A gente faz as nossas escolhas e convive com elas...

Não vou reclamar da onda de artistas estrangeiros, principalmente e sobretudo do pop americano que invadem nossas rádios e prateleiras de lojas de CDs. Tem bastante coisa daí que eu escuto, aprovo e recomendo. Mas posso questionar, isso sim, por que acontece com muita gente como aconteceu àquela menina, quem escuta aqui tudo o que está na “moda” (leia-se promovido pela mídia para fomentar o mercado dos artistas efêmeros), para num belo dia em viagem pelo velho continente, meio que por acaso, no meio dos galanteios de um gringo espertalhão, acabar conhecendo os grandes compositores do próprio país de origem. Isto é no mínimo muito estranho. Dar-se a conhecer só o que está nas paradas top ten de sucessos e depois reclamar que o que se oferece aí não é satisfatório. Verdade seja dita, quem quer conhecer alguma coisa, rompendo a superficialidade do senso comum, tem que se levantar e ir atrás. A passividade não ergue nem um castelo de areia, nem de cartas, e muito menos um prédio de verdade.

Estou relendo o Chega de Saudade, A história e as histórias da Bossa Nova, do Ruy Castro. Li pela primeira vez há uns dez anos o livro que era de uma biblioteca. Depois quis ter o meu e não o encontrei. Fiquei um tempo procurando, mas sem muito sucesso, e acabei esquecendo. Encontrei-o por acaso, dia desses, numa livraria. Não tive dúvida, saquei-do da prateleira e está aqui, para releitura e constantes checagens de referências.

Cito esse livro no meio dessa postagem porque comecei o texto pensando em falar justamente dele. Junto com outras obras bibliográficas sobre música brasileira, esse dá um panorama bem abrangente de um período, de um estilo que se impôs ao mundo pela sua qualidade. Até hoje quem acompanha as novelas de Manoel Carlos na Rede Globo, caso alguém não saiba, as músicas que você provavelmente acha mais legais são de Bossa Nova, muitas vezes. É uma excelente opção para quem quer começar a se aprofundar na boa música brasileira ao invés de ficar reclamando das "mais tocadas" nas "paradas de sucesso".

Falando em música brasileira de qualidade, além daqueles compositores consagrados da Bossa Nova, temos ainda os herdeiros da música brasileira autêntica, e chamo autêntica porque eles sempre criativamente a renovam. Compositores como Lenine, Marcelo Camello, Ana Carolina, Cássia Eller, Paulinho Moska, Celso Fonseca, Zeca Baleiro, Ed Motta, entre tantos inúmeros outros que não caberá citar aqui, em suas variedades de estilo e originalidade relativa, colocam a música brasileira no patamar das mais ricas produções musicais do mundo. E é tudo daqui, do Brasil mesmo, de perto de você, talvez, e que além da música temática da novela (que, exaustivamente repetida, a gente enjoa dela) esses compositores têm uma obra vasta e riquíssima. Não acredita? Pergunte a algum estrangeiro que entenda bastante de música na próxima vez que você se for viajar para longe, para conseguir ver seu país com outros olhos, que não aqueles míopes do senso comum que só enxergam a si de modo distorcido por causa das lentes da ignobilidade que se acha nobre...


Até a próxima!

Luis Felipe


P.S. O Chega de Saudade, A história e as histórias da Bossa Nova, do jornalista Ruy Castro, pela Companhia de Bolso, custa menos de R$ 30, dependendo da livraria, e vale muito a pena. Como diria o Tim Maia Racional, “leia o livro”.

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