Parece que ficou meio no ar essa questão de que em Resposta ao tempo, na postagem anterior, o poeta opusesse tempo e linguagem. Vou tentar explicar melhor, mesmo assim ainda correndo o risco de não esclarecer nada. Valerá a tentativa de explicação. Ou não.
O tempo não está no mesmo nível que nós estamos, para começo de conversa. Não há diálogo possível com o tempo. O tempo passa e não nos pergunta o que a gente acha. Entretanto, cabe lembrar que é característica do ser humano a linguagem elaborada, o diálogo, e até mesmo a divergência (que está dentro desse sentido de diálogo que eu uso). Se alguém vai discordar de mim, pode argumentar no mesmo meio, a língua. Se a gente discordar do tempo, azar o nosso.
Lembro que há algum tempo, quando concluía um curso de especialização na área da linguagem, um tema que pensei em discutir seria a tentativa de dialogização do não-dialógico. Explico. A natureza (isso aí mesmo, mato, biodiversidade, equilíbrio ecológico, e etc) é natural, apesar do que vai parecer redundante. Uma parte significativa da nossa vivência é cultural, e é expressa na linguagem, portanto dialógica. A natureza não dialoga, ela não está nesse nível cultural nem dialógico. O que eu tinha pensado em fazer como trabalho era justamente coletar alguns slogans de propagandas da Secretaria do Meio Ambiente de Caxias do Sul, na época, que expressavam tentativas de supor que a natureza dialogava com a sociedade humana. Um slogan, se me recordo razoavelmente bem, dizia assim: “a natureza está respondendo aos constantes ataques....”. E isso fazia referência direta a catástrofes naturais, cuja hipótese bastante provável de causa é a própria ação humana sobre a natureza.
O que acontece é que a natureza, a rigor, não “dá recado” pra ninguém e não vai prevenir ninguém de nada nunca. Tudo isso é bobagem, na verdade. Mas não deixa de ser verdade que a ação do homem sobre a natureza tem efeitos, por vezes catastróficos. Eu acredito nisso. Mas o que estou defendendo é que não tem diálogo com a natureza. A natureza simplesmente é, tem suas próprias regras, considera a vida de todos os seres igualmente (e nesse sentido o ser humano não é melhor nem pior, talvez um pouco pior porque a danifica mais, enfim, mas não é jamais superior e nem vai ser avisado de nada). A natureza, portanto, não está “dando avisos” quando acontece uma catástrofe natural. O que é natural na natureza não tem “intenção” de comunicar, como de um suposto ser dando um aviso, mas pode ter “causa”. Intenção e causa são coisas bem diferentes.
Partindo dessa ideia de dialogar com o que não está no nível do diálogo, penso que nós humanos tendemos a horizontalizar tudo, colocar tudo no nosso nível humano, o dialógico. Conversar com os animais de estimação é básico (e incontestável). Mas também estabelecemos contato verbal com o além, com o extraterrestre, com a natureza, com o divino e o sagrado, e até com o tempo. Com o tempo, nos dois sentidos, inclusive. O tempo/clima, a gente "pede para São Pedro” que chova ou faça sol. Já vi até gente xingando as nuvens, tadinhas, que fossem passear em outros céus. O tempo cronológico, quem você pensa que é o interlocutor quando alguém reclama que o tempo parece passar ou não na velocidade que se queria? Talvez nos sentimos mais localizados no mundo e na vida quando dialogamos com tudo ao nosso redor. O ser humano é um animal dialógico. Os animais de estimação, evidentemente, adquirem uns traços nossos, de alguma forma se comunicam conosco. Só não falam a nossa língua (alguém discordaria...).
Foi nesse sentido que quis dizer que em algum lugar da letra de Resposta ao tempo subjazia a ideia da linguagem se opor a tempo, e isso já estaria aí no próprio título da canção, na palavra “resposta”. Como se fosse possível responder ao que não é dialógico, e mais ousadamente ainda, estabelecer um diálogo com o tempo, ainda que fictício. Por isso uma questão de linguagem contrapondo-se a tempo...
Acho que depois dessa postagem, que procura consertar uma postagem que teve um argumento muitíssimo ou extremamente vago, vou tentar evitar os assuntos metafísicos, porque parece que nem eu me entendo comigo mesmo. Mas estando sempre aberto ao diálogo...
Até a próxima.
Luis Felipe
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