sobre letras de música, revistinhas de cifras, tocar violão, ilustrações e outras bossas
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Só você, violão, compreende porque...
terça-feira, 28 de setembro de 2010
É fogo, mora!?
Vitor Ramil bebeu da fonte da Jovem Guarda. O diálogo que ele estabelece, por exemplo, em sua composição Não É Céu com Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, renderia uma análise riquíssima. A análise riquíssima, que alguém aí pode ser capaz de fazer, o cifraamodaantiga vai ficar devendo. Sempre. O dever em primeiro lugar. Mas existem condições genuínas, aqui, de se apresentar análises modestas – um cara falando de música e de letras de música como numa conversa com os amigos no bar, sem rigores e preocupações maiores.
A questão da autoria é, cada vez mais, uma coisa complicada e delicada. Sobre a questão da originalidade, levaria o resto do ano para ser discutida. Não existe originalidade absoluta e ponto final. Mas por que precisaria do resto do ano para discutir se isso é intransigível? Porque entre não haver originalidade absoluta possível e as sutilezas do que se cria e parece novo, aí sim, bem nesse espaço do vácuo entre o já-existente e o que não o é ainda, reside um universo de possibilidades. Tudo parte de alguma coisa e tudo faz parte de alguma coisa. No mínimo, as questões relacionáveis ao meio onde cada obra é produzida criam limites que não permitem com que uma obra criada nesse meio seja extremamente original.
A obra sofre dessas restrições, sim, da ordem do espaço (meio) do tempo (contemporaneidade) e da cultura (o que se produz no mesmo tempo e no mesmo espaço). Também se fala muito, em música, em “influências”. Mas as influências, os músicos que um compositor ouvia ou mesmo queria imitar, não necessariamente aparecem na obra deste. Isso só vai ter importância na biografia, o que não nos interessa agora. O que aparece e pode ser sublinhado são as “referências”, explícitas ou implícitas. Não existe música, estilo musical, etc, que não remeta, em maior ou menor medida, a outras músicas, estilos musicais e etc. Até quando são diametralmente opostos, fazem referência, justamente de oposição. Os pobres dos compositores deveriam, então, estar desolados devido a essa prisão que lhes impossibilita a originalidade? Não acho. Essas “restrições” significam somente que se está fazendo parte de alguma coisa maior que já existe, e isso na verdade é consolador. É isso que possibilita qualquer produção, até as que se propõem a mudar paradigmas na história.
É nesse ponto, justamente, que se diferenciam uns compositores de outros. Porque há compositores e compositores. São mais "espertos", pode-se dizer, os autores que sabem reconhecer e fazer diferentes formas de referência ao que veio antes de si e que estes, em certa medida, re-produzem. Não importa se fazem isso conscientemente ou intuitivamente, porque isso é um caso de gênio criativo. O que importa é que há os que fazem referência à referência: eis o lugar do deleite de quem analisa, por exemplo, letras de música para além das imagens tradicionais de rima, contagem de sílaba, aliteração, entre outras. Esse é o caso desses caras aí de quem este texto está tratando.
Por uma questão de ordem cronológica, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, evidentemente, vem muito antes. E, de certa forma, marca uma geração (um pouco anterior à minha, diga-se de passagem). Não vou falar do questionamento que se fez de música não-engajada numa época em que a palavra questionadora no seio da produção artístico-musical podia ser considerada subversiva. Quero Que Vá Tudo Pro Inferno é uma forma de alienação assumida e isso nem precisa se discutir. Mas, vejam bem, não foi uma “alienação” relacionável à vida política. É uma canção romântica e, nesse sentido, sugere uma alienação em relação a tudo mais que não a seja a musa que poderia aquecer o poeta no inverno. Esse "tudo", inclusive, está no título.
É justamente com o fato da composição de Roberto e Erasmo se tratar de uma canção romântica (e sensual!) que Vitor Ramil dialoga. Não estou dizendo que ele fez Não É Céu para “responder”, plagiar, satirizar, parodiar, arremedar ou qualquer coisa que fizesse associar explicitamente uma canção a outra. Nada disso. Essas músicas nem são em nada parecidas. Trata-se, não de uma relação ética conflituosa entre compositores, se tem alguém que pensou esse tipo de coisa, trata-se de uma referência, com marcas características encontráveis aqui e ali na letra, quiçá na própria música, o que seria mais um caso de “homenagem”. A referência é uma homenagem, mesmo quando não muito elogiosa. A relação entre essas duas letras é muito sutil, mas depois que observada com a lupa do entendimento do processo composicional (levando em conta principalmente a questão da referência aos mestres antecessores) parece evidente.
Observem, na relação de oposição ou complementaridade, nessa ordem, que existe entre se perguntar “de que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar?”, e se replicar dizendo que “não, não é céu sobre nós”. E entre se dizer “quero que você me aqueça nesse inverno” e “fica comigo, me abraça que calor melhor a rua não dá”. É disso que estou falando. Que alguma coisa tem a ver.
Outra referência muito interessante, ao mesmo tempo que um tanto dissimulada, é ao próprio dito atribuído justamente a Roberto Carlos no programa Jovem Guarda da TV Record dos anos 60, a expressão que se cristalizou e se disseminou – É uma brasa, mora!
Ramil brinca com essa expressão dizendo, em sua letra - "é fogo, mora/ gente na brasa a gritar lá fora/ só nos falta Nero cantar". E mais adiante -"é fogo, mora/ deixa essa brasa lá fora/ deixa o mundo todo queimar".
Outras partes das duas letras não teriam muita relevância para se falar de referência, portanto não as citarei. Exceção feita à genial sacada em "fica comigo me abraça, que calor melhor a rua não dá", ao mesmo tempo que o mundo lá fora está incendiando. É preciso ser mais explícito quanto ao sentido possível de "calor melhor"? O calor do fogo pode ser maior, mas o calor do abraço dos amantes é, sem dúvida, melhor.
Além disso tudo que foi dito que já convenceu - pelo menos a mim - do que eu mesmo estou dizendo, a canção de Vitor Ramil explora a ideia de sensualidade também musicalmente, e não só textualmente na letra, como acontece na canção de Roberto e Erasmo. Há em Não É Céu uma batida de contrabaixo que imita batida de tambores rituais do mítico "sacrifício das virgens" na era pré-civilizada, aquele saxofone meio hipnótico num crescendo em direção ao grand finale, há um mundo queimando lá fora apocalipticamente, e isso é de uma sensualidade tal, mais do que romance de passear de mãos dadas que as músicas da Jovem Guarda sugerem. Não que isso seja problema. Essa inocência nas canções do ie-ie-ie as constitui, e mesmo isso tem exceções, de que falaremos eventualmente. Mas em Não É Céu parece haver uma sensualidade sensual, se mais que uma redundância isso possa fazer sentido. “Dia nascendo normal e a gente acorda e não costuma gritar” diz o amante que goza aos berros, mais ao final da letra de Ramil, numa interpretação (minha) cheia de segundas intenções para o sentido da letra.
E quem não conhece ainda, está esperando o que para conhecer a canção do Vitor Ramil? É um manual de sobrevivência dos amantes, no caso de o mundo amanhecer incendiando...
Até a próxima.
Luis Felipe
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Amoroso ainda
Como o cifraamodaantiga é um blog em que se fala, entre outras coisas, de cifras propriamente ditas, um amigo e leitor do blog que foi ouvir a música da postagem anterior, O amoroso Bebeto Alves das milongas, no site oficial do Bebeto Alves, me pediu para publicar a cifra de Amoroso. Ele tem razão, não está em nenhum outro site de cifras, e eu nem pesquisei tanto assim. Então, a pedidos, publico-a logo abaixo. Quem quiser se aventurar a tocar pela minha cifra aqui precisa tomar o cuidado de acertar a troca de acordes de acordo com a música ouvindo-a, porque no editor de texto daqui do Blogger não sai bem certinho como a gente faz no bloco de notas (notepad) os acordes em cima das palavras, se me faço entender.
domingo, 26 de setembro de 2010
O amoroso Bebeto Alves das milongas
Bebeto Alves, lembram? Eu jamais esqueço dele. Não porque ele compôs Pegadas, talvez um pouco mais porque ele compôs Mais Uma Canção. Mas eu não me esqueço desse grande artista da música porque ele tem alguns discos primorosos de milongas. Acho que ele não deve ser muito reverenciado no meio dos tradicionalistas. Talvez eles até o escutem, mas o que eu acho estranho nessa turma é um pouco isso de excluir da vitrola do CTG os músicos que talvez transgridam os contornos exatos, absolutos e seguros do que eles consideram música gaúcha (ou música tradicionalista, mais estritamente falando). Aliás, parece que existe, entre os “entendidos”, uma discussão enorme sobre as diferenças entre música nativista, que é diferente de música tradicionalista, e que se tem pavor de “tchê music”, porque é muito alegrinha e é de alguma forma inspirada no axé music da Bahia. Mas música gaúcha, cá entre nós, não é um termo que pode de modo algum se restringir à música tradicionalista que tem o selo – essa o MTG aprova!
Eu incluo, à revelia dos patrões e dos donos dos sentidos do que é ou não gaúcho, eu incluo sob o termo “música gaúcha” também a música urbana, o samba, o hip-hop, e tudo mais que é feito nos limites geográficos do Rio Grande do Sul, talvez Santa Catarina também. Digo isso porque toda música feita por gaúchos para gaúchos (não só, mas principalmente, talvez) é música gaúcha. A música gaúcha tem o gosto da diversidade da salada cultural que é o Brasil. Onde encaixaríamos os veneráveis roqueiros do Cascavelletes e do TNT, o melhor rock gaúcho de todos os tempos? E o Nei Lisboa, o Bebeto Alves, a Cidadão Quem, o Nenhum de Nós, a Ultramen, entre tantos, tantos, inúmeros outros que não cabe enumerar aqui, senão sob o rótulo de música gaúcha? Sempre se escuta e se fala - música gaúcha urbana, pop-rock gaúcho... Enfim, tudo isso é música gaúcha.
Mas comecei esse texto para falar de uma canção que o Bebeto Alves canta, fiz esse preâmbulo todo aí em cima e não cheguei no assunto. O Bebeto Alves tem uns discos de milongas lindíssimas, que não sei se os patrões aprovam (porque o cara passeia por outros estilos, como o rock gaúcho urbano, ou é cantor de rock e passeia pelas milongas, enfim, isso não vem ao caso, apesar de ter vindo). E eu abri essa postagem para falar de uma delas – Amoroso, do CD Milongamento, de 1999. Acompanham o cantor, nas 14 faixas de pura simplicidade da terra e extrema beleza compostas por Mauro Moraes, o excelente violonista Marcello Caminha e o Clóvis “Boca” Freire, mandando muito bem também, no rabecão. Aí embaixo está a transcrição que fiz da letra (da mão do próprio compositor pode estar diferente):
Amoroso
Eu poderia falar de cavalos, de domas, galpões
de lidas vividas, de bravatas e causos
Mas resolvi falar de amor...
O amor que existe em mim
Que me alimenta e que me revigora
Nas horas de um mate nos pelegos do catre
Enquanto a lua se põe e o boi rumina o capim
Ilumina-se o pátio, as orquídeas em flor
As casuarinas do rancho...
Os recantos da dor
Quando a alma lá fora madura as amoras do teu desamor
Não vou me alongar comentando muito essa letra. Só um rápido comentário, se me permitem: ela tem um lirismo, no sentido de coisa encantadoramente poética, ao mesmo tempo que o eu-lírico se assume um tosco, um peão acostumado aos cavalos, que de repente resolve falar de amor. E o resultado dessa poesia (ou peãosia, eu hein!) com a mágica da música... ouçam! O quanto antes, porque o mundo pode acabar logo. Como ouvir a partir daqui, se o rapaz que escreve não colocou um Youtube da música ou link para download? Eis, portanto, a dica: acessem o site oficial do artista, www.bebetoalves.com.br, cliquem no link RÁDIOS e procurem pelo disco Milongamento e pela faixa Amoroso. Claro, quem fizer isso não vai deixar de passear pelo site, pelas músicas, pela história do Bebeto Alves y otras milongas más. Salve Bebeto.
Até a próxima,
Luis Felipe
sábado, 25 de setembro de 2010
Meus primeiros acordes - parte II
Cifra à moda antiga – situando o leitor II
O título do blog não sugere que a cifra mudou ou segue modas. O sistema de cifragem é rigorosamente o mesmo desde... (tá bom, não sei desde quando).
Quando eu pensei neste nome para o blog, foi relacionando-o justamente à idéia das revistinhas de cifra, que eu não encontro mais. E também não procuro, aliás. Tanto porque eu mesmo faço minhas cifras, tirando as músicas de ouvido, como também é possível encontrar tudo nas ferramentas de busca eletrônicas (o Google, por exemplo). Há, inclusive, alguns sites bastante conhecidos de cifra, como esse aí da imagem acima. Mas o que estou querendo dizer é que uma maneira de tocar violão, por cifra, mudou. Antigamente a gurizada ia nas bancas, folheava e escolhia as revistinhas. Embora não fossem caras, não se podia comprar todas as que se queria. Por isso, depois de talvez ter decorado as melhores músicas de uma edição, a gente trocava as revistinhas uns com os outros. Existia mais interação social de pessoa com pessoa real na rua, eu acho.
Sobre “tocar por cifra”, naturalmente que o músico não pode se limitar a isso. Mas é muito importante saber ler cifras, que é um sistema simples para escrever nomes de acordes, dos mais simples aos mais complexos.
Para quem não sabe, a cifra é o nome do acorde, assim completinho, com nome e sobrenome. Nas revistinhas antigas e nos sites atuais, acompanhado à música – letra e cifra – vem o desenho dos acordes no braço do violão, como na figura acima. Eis, abaixo, um exemplo de letra com cifra:
G#m7 C#7/9-
Que reste-t-il de nos amours
A#m7 D#7/9-
Que reste-t-il de ces beaux jours
G#m7 C#7/9-
Une photo, vieille photo
F#7+ Gº
De ma jeunesse
Sendo – G#m7 – sol sustenido menor com sétima. Simples, né?
Até a próxima!
Luis Felipe
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Meus primeiros acordes
Cifra à moda antiga - situando o leitor
Em outras palavras, esse blog será especializado em letra e música, com algumas imagens para quebrar a monotonia. Mas terá principalmente "análises" mistas (impressionistas, apreciativas, discursivas, etc) e feitas por um pretenso especialista (ou especialista pretensioso, que não deve ser a mesma coisa...). Em outras palavras, vou falar o que me der na telha!
Até a postagem que vem!
Luis Felipe