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domingo, 1 de maio de 2011

A noite se repete

A genialidade de Nelson Sargento. Esse samba melancólico, aparentemente simples, é de uma complexidade melódica e riqueza harmônica enormes. Observem que as rimas são esquemáticas - AABB, CCDD, e a relação sintático-semântica no interior dos versos quase acompanha a rima final. Dos dois primeiros versos – explicativos -, passando pelas definições/ generalizações que se pretendem óbvias nos quatro versos do meio, até os últimos versos – condicionais -, o poeta mostra que a única conclusão, numa relação argumentativa de causa e consequência inegociáveis é aquela: “se eu não te amasse, não sofreria ingratidão”.

Ainda, para um breve comentário sobre a harmonia, um compositor mediano provavelmente teria simplesmente repetido o esquema harmônico na segunda estrofe. Mas não o Sargento. Ele repete, na segunda estrofe, somente a harmonia dos segundo, terceiro e quarto versos da primeira estrofe, deixando para o final um lá sétima com a nona “deslizando” para repousar na quinta da tônica (ré maior), uma espécie grand finale com cromatismo descendente. O esquema harmônico, o que acompanha cada frase melódica (e que coincide com o verso), fica assim: AABC ABCD. A cifra está aí abaixo.



A Noite Se Repete (Nelson Sargento)


D7+ E7 Em A7
A noite se repete porque se repete o dia

D7+ E7 Em A7
Tristeza só existe porque existe alegria

Am7 D7/9- G7+ Gm6
A terra é quem dá a vida para a flor

Bm6 E7 G6/B A5+
Num coração sincero é que desponta um grande amor



D7+ E7 Em A7
Por existir a vida é que a morte impera

Am7 D7/9- G7+ Gm6
Por haver gente falsa é que há gente sincera

Bm6 E7 G6/B A7
Se não houvesse mar, não haveria embarcação

Em7 E7 A7/9(-) D7+
Se eu não te amasse, não sofreria ingratidão



Até a próxima!

Luis Felipe

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Mais uma luz




A7+ Bbm6/5+
Mais uma luz
Bm7 F#7 (F#7/5+ Bm7)
Uma luz a mais na cidade
F#7 Bm7
Penso em você
E7/9 E7/9- E7 (Aº A7+)
Sonho maior na realidade

C#m7
Se vivo sozinho
Cm7 Bm7
É pra seguir meu próprio caminho
E7/9 E7/9- (Aº A7+)
Tente entender é quem sou

F#7 Bm7 (A/B Bm7)
Tão desigual em tudo
E7/9 E7/9- (Aº A7+)
Que você quer que eu seja


Até a próxima!

Luis Felipe

Quanto mais longe do circo...

Deem-me licença de não falar de Jards Macalé. É aquele não falar falando, que enfim, é falar. Existe muita fofoca em torno das posturas adotadas por Jards Macalé justamente porque ele, segundo se sabe, sempre se manteve alheio e acima de questões (que eu consideraria) menores.

Isto é, quando muitos nomes de peso começaram a suavizar as críticas e metáforas em suas letras para prostituir sua arte, Jards Macalé manteve-se um artista fiel à sua arte. E quando a MPB deixou de ser arte para se tornar produto facilmente digerível pelas massas, Jards Macalé "não foi na onda" e, como alguns diriam, "não cuidou da sua carreira". Acho que é só o que eu posso dizer. Que grande artista!

Deixo uma sugestão de uma samba de primeira linha que é a canção que dá título ao seu álbum de 1977, Contrastes. Ah, e duvido quem não achar genial o verso "quanto mais longe do circo / mais eu encontro palhaço". É o tipo de verso que fica ecoando tanto na nossa cabeça quanto na realidade, porque, como quereria o Nei Lisboa em Pra Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina, é um verso que diz tudo. Evidentemente que esse dizer tudo só fala ao ouvido de quem entende como a realidade pode ser interpretada por metáforas. Circo não é necessariamente lona e picadeiro e palhaço não é necessariamente Bozo e Carequinha. Depois disso só posso dizer que cada um construa a sua interpretação. Ei-la e deleita-te:



Contrastes

Existe muita tristeza
Na rua da alegria
Existe muita desordem
Na rua da harmonia

Analisando essa história
Cada vez mais me embaraço
Quanto mais longe do circo
Mais eu encontro palhaço

Cada vez mais me embaraço
Analisando essa história
Existe muito fracasso
Dentro do Largo da Glória

Analisando essa história
Cada vez mais me embaraço
Quanto mais longe do circo
Mais eu encontro palhaço


Até a próxima!

Luis Felipe



terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um certo Tom

Como fã de Tom Jobim, gostei da homenagem que o Google está fazendo ao genial compositor Antônio Brasileiro, no que seria seu 84º aniversário de vida, na data de hoje.

Tom Jobim faleceu em 8 de dezembro de 1994 de complicações cardíacas, e deixou um patrimônio musical inestimável. Como diz Chico, o poeta, numa brilhante canção sua, Paratodos, "meu maestro soberano / foi Antônio Brasileiro". De todos nós, Chico, de todos nós.

Parabéns, maestro soberano, onde estiveres.

Sugestão de vídeo, Tom Jobim e Elis Regina, cantando Na Batucada Da Vida, de Ary Barroso (duas versões no mesmo vídeo):

Até a próxima!

Luis Felipe


sábado, 15 de janeiro de 2011

O que é o samba? Parte II.


Em O que é o samba? eu tinha sugerido que existe um diálogo que percorre algumas letras de samba, em que uma pergunta tardia (o que é o samba?) teria vindo preencher essa lacuna das “respostas” que já existiam. Mas tais sambas eram respostas para uma pergunta assim tão pontual e que parece uma questão de prova de quinta série? Sim e não. Não na dobradinha automática pergunta-resposta, mas eram, sim, respostas para uma discussão que se fazia na cultura em que, em face a uma resistência à cultura do samba há coisa de mais ou menos um século, século e meio atrás, o samba, na voz de seus poetas, precisava se autoafirmar.
Desde o Pra Que Discutir Com A Madame (Haroldo Barbosa e Janet de Almeida) ou antes, que o samba vem batendo boca por aí, vem discutindo com a fidalguia de sucessivas gerações para impor seu valor. É muito curioso perceber em algumas letras como esse movimento na cultura do samba não passou sem se fazer notar. Houve, sim, uma necessidade de autoafirmação, pois, como se sabe, havia no Brasil lusitano um apego a uma ideia de nobreza aristocrática, e que se torcia no nariz para as manifestações do Brasil que estava ficando brasileiro. Essa mania de nobreza deixou resquícios muito fortes que aparecem até meados do século passado e não desapareceram completamente.
É do grande Ary Barroso o sintagma “Brasil brasileiro” (em Aquarela Do Brasil) que não tem absolutamente nada de redundante; é na verdade a afirmação do reconhecimento da cultura local ante à cultura do Brasil lusitano. E Ary ganhou o apelido, em um LP em sua homenagem, de “o mais brasileiro dos brasileiros”, porque, sendo um excelente compositor de orquestra e que podia ter querido cumprir uma carreira de compositor de música mais europeia (erudita), como fizeram Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, Ary preferiu fazer música brasileira (popular) que se autoafirma tematicamente. Algumas dessas canções de Ary Barroso não são exatamente sambas, em termos de estrutura rítmica ou melódica (as versões posteriores podem até ser), mas pela sua temática acaba sendo citada nos compêndios como “samba exaltação”, coisa com a qual eu concordo absolutamente
Nesse sentido, os primeiros e os segundos sambas precisavam impor-se ante a cultura aristocrática (portuguesa, mas que achava mais chique parecer francesa) e que, como eu disse acima, torcia o nariz para essa coisa de batucada, samba, violão, pandeiro, e etc. A canção de Barbosa e Almeida diz:
“Madame diz que a raça não melhora / que a vida piora por causa do samba /madame diz que samba tem pecado / que o samba coitado devia acabar / madame diz que o samba tem cachaça /mistura de raça, mistura de cor / madame diz que o samba é democrata / é música barata sem nenhum valor.”
O poeta dá voz ao discurso da madame, até o momento que retoma a palavra e faz sua autoafirmação quando diz: “o samba brasileiro é democrata / brasileiro na batata é que tem valor”. É cabível ressaltar que o adjetivo “democrata”, quando na voz da madame, tem um aspecto negativo (ela não gosta de povo, de manifestações democráticas), e na voz do próprio poeta, na parte da autoafirmação, tem um valor positivo. E, como prevê o nome da canção, pergunta-se, “pra que discutir com a madame?”, pois esse bate-boca parece que não vai levar a nada. Sem propor uma resposta específica para essa pergunta, a canção por outro lado evidencia que a discussão de fato existia: havia uma parte do Brasil que não queria se assumir brasileira, porque era “ex-nobre”.
Na verdade, ser sambista nunca foi navegar em mar calmo. O samba já nasceu de um conflito étnico e sócio-cultural: a grosso modo, a canção portuguesa, que era de “bom tom”, e os batuques africanos, que nem tom tinham. É possível imaginar o tamanho do preconceito que havia por parte da fidalguia que descendia de portugueses, principalmente, em relação a uma cultura brasileira, negra e popular, de samba e de batuque. Estamos falando da música do final do século XIX e início do século XX, quando a república que havia sucedido a monarquia era ainda muito recente, em termos históricos, assim como o fim da escravidão, no papel, fora assinado havia apenas um ano antes da Proclamação da República.
Algumas décadas mais tarde, no que parecia que o samba já estaria se firmando no cenário cultural brasileiro num patamar de honra, outras influências, agora não mais européias, vieram lhe desestabilizar o trono duramente conquistado. A era da ascensão econômica dos EUA, que investiu na Segunda Guerra Mundial e lucrou, tornou seu cinema e sua música populares e passou a divulgar, através destas manifestações artísticas, o American way of life. É curioso que também os Estados Unidos procuravam afirmar sua cultura e identidade e tinham uns conflitos internos muito similares aos brasileiros. Antes dos EUA se tornarem potência econômica, militar e imperialista, por breves décadas, fomos nações irmãs (na época da Guerra Fria viramos o “primo pobre”). E o samba sofreu com a influência americana, como também se pode observar em algumas de suas letras.
Em Agoniza Mas Não Morre, de Nelson Sargento, fala-se justamente desse “abalar de estruturas” que sofria volta e meia o samba. Diz o poeta: “samba; negro, forte, destemido / foi duramente perseguido / na esquina, no botequim, no terreiro / samba; inocente, pé no chão / a fidalguia do salão / te abraçou, te envolveu / mudaram toda a tua estrutura / te impuseram outra cultura / e você não percebeu”. O samba de Nelson Sargento tem eco na inspiradíssima Influência Do Jazz, de Carlos Lyra (“pobre samba meu, foi se misturando, se modernizando e se perdeu”). Claro, é importante lembrar que Carlos Lyra, para bem ou para mal (para bem, na minha opinião) já é da turma que “corrompeu” o samba de raiz, ainda que o fizesse com a mais sofisticada autoironia gerando algo muito bom.
A tal da influência americana teve efeitos contundentes, e é a ela que se atribui o surgimento da bossa nova, na mistura do ritmo do samba com harmonia do jazz. A partir desse novo movimento, a letra de samba que contém algo de autoafirmação persiste, só que agora não mais ante uma pretensiosa ex-aristocracia ultrapassada, mas ante ao que era americano, moderno e cult. Entretanto, embora os sambas originais ainda estivessem sendo feitos, muitas das letras que embarcaram nesse novo movimento de autoafirmação não são rigorosamente sambas.
Tem-se, por exemplo, a bossa Só Danço Samba, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes: “só danço samba, só danço samba, vai”, e que estabelece oposição a ritmos estrangeiros “já dancei o twist até demais, mas não sei, me cansei do calypso ao tcha-tcha-tchá”; a Chiclete Com Banana, composta pelo sambista Gordurinha e popularizada na versão tropicalista de Gilberto Gil: “só ponho be bop no meu samba / quando o Tio Sam pegar no tamborim / quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / quando ele entender que o samba não é rumba”; o samba mesmo Brasil Pandeiro, de Assis Valente: “eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar / o Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada (...) na Casa Branca já dançou a batucada de io-iô, ia-iá (...) há quem sambe diferente / outras terras, outra gente / um batuque de matar”, que nos chegou na voz de Baby Consuelo, com os Novos Baianos.
Claro, tudo isso sem nunca esquecer de Carmem Miranda e Zé Carioca (que eu acho que não comentaria muito bem, já que o meu negócio é falar de letras de música, mas vou me arriscar a dizer uma bobagenzinha), que foi uma espécie de “troca” injusta, especialidade dos americanos desde então. Nós demos a pequena notável, uma brasileira meio portuguesa pra servir, bem ou mal dizendo, como um tótem vivo do que se pensava ser a brasilidade, mas que era, enfim, uma mulher de carne e osso. E recebemos em retorno um papagaio malandro de desenho animado. Antes nos tivessem dado a Jessica Rabbit...
Todas esses conflitos e a necessidade de autoafirmação do samba e do sambista ecoam por aí em diversas letras de samba. Na canção 14 Anos, de Paulinho da Viola, fala-se exatamente do que foi o status do sambista há algum tempo: “mas a minha aspiração / era ter um violão para me tornar sambista / mas o meu pai me falou / sambista não tem valor / nessa terra de doutor (...) o meu pai tinha razão”. Em Eu Sambo Mesmo, de Janet de Almeida, faz-se referência aos que talvez rejeitassem o estilo musical, e a canção cumpre seu papel de fazer autoafirmação dizendo que estes, no fundo, queriam estar sambando: “a minoria diz que não gosta, mas gosta / e sofre muito quando vê alguém sambar / faz força, se domina, finge não estar / tomadinho pelo samba, louco pra sambar”.
Tudo isso aconteceu até o ponto em que o samba pareceu dar-se alta da terapia, isto é, sem exprimir tanto a necessidade de se autoafirmar perante quem aparentemente o ameaça, mas sem nunca perder o cacoete da autoafirmação. Nesse sentido há umas letras de samba onde se nota isso, como em Só O Samba Me Domina, de Chico da Silva: “não há ninguém no mundo / que me faça perder a cabeça / só o samba me domina / por incrível que pareça”; Tem Mais Samba, de Chico Buarque: “vem que passa o teu sofrer / se todo mundo sambasse / seria tão fácil viver”; e a A Força do Samba, de Luiz Grande: “o tempo vai passando / e o samba vai seguindo / o povo está feliz cantado, sambando e sorrindo / a assim vamos nós / tirando esse som / que de dentro do peito nos sai / o samba balança mas não cai”, entre muitos outros exemplos possíveis. Ironicamente, parece que os sambas que estavam efetivamente marcando seu espaço é que tiveram mais força. Força ao samba de hoje e sempre!

Eu Sambo Mesmo, com o então jovem João Gilberto (vale a pena ver a sequência toda, que é de um único show):


A ilustração é um quadro de Caribé, obra que se intitula Roda de Samba. (com a contribuição do leitor Alexandre Jr.).

Até a próxima!

Luis Felipe

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Novos Rumos: refazendo a rota


Escreve-me um leitor (e que não é meu conhecido, fiquei feliz) um gentil email me corrigindo quanto a uma informação equivocada num texto que escrevi. Em Para o poeta do infinito eu cito a canção Novos Rumos sem muita discussão como se fosse composição do próprio Paulinho da Viola. O leitor escreveu-me:

“Prezado sr.
Vi em um comentário seu a respeito de Paulinho da Viola, muito bem feito por sinal. Gostaria de lembrá-lo que a música NOVOS RUMOS gravada por Paulinho a letra é dos compositores CASTRO ALVES e ROCHINHA gravada por SILVIO CALDAS. Mérito é mérito.
Um abraço.”

O leitor está coberto de razão e com essa errata, portanto, eu espero me redimir do erro (vide P.S.² e comentários abaixo). A canção Novos Rumos lista em pelos menos dois discos de Paulinho da Viola; A faixa 1 do disco 2 do álbum Bebadachama, de 1997, e a faixa 7 do CD Bebadosamba, de 1996, mas não é, de qualquer forma, composição dele. E a gravação do saudoso seresteiro Silvio Caldas, que eu particularmente não conheço (ainda), pode estar datada de antes mesmo da década de 1970, o que talvez possa fazer com que a minha momentânea ignorância seja perdoada e posteriormente sanada.

Obrigado, amigo leitor, sinceramente, pela sua valiosa ajuda.

Ainda bem que, graças à possibilidade de se argumentar dialeticamente, o meu ponto de vista naquele texto não deixa completamente de ser válido. Não sendo Paulinho o poeta compositor de Novos Rumos, ele não deixa de se atribuir um papel de poeta intérprete ao escolher uma música que forma um conjunto de metáforas com algumas de suas próprias composições, as recorrentes metáforas de marinheiro. E, se eu não estiver dizendo um absurdo, o intérprete é um nível da "entidade" poeta, independentemente de ser o autor ou não, mas que entra em cena no momento da enunciação da poesia, quando ela é declamada ou cantada.

Mas ufa! Isso não deixa de nos fazer pensar como essas confusões acontecem mesmo. Eu procuro ser rigoroso em distinguir autor de intérprete, mesmo sendo às vezes a mesma pessoa, e fui eu mesmo que criei na minha cabeça, quando estava escrevendo aquele texto, uma imagem do Paulinho da Viola navegando no tempo. E num lapso de atenção atribuí a ele a autoria de uma canção da qual ele não é o autor, apenas intérprete, sem nem mesmo ir verificar a informação.

Espero que me perdoem, mas não prometo que não faço mais. Enquanto eu estiver escrevendo estarei sujeito ao erro. Assim como admito ser corrigido. E que siga o barco!

Até a próxima!

Luis Felipe

P.S.¹ A imagem vetorizada é de uma fotografia que foi tirada do barco de passeio Cisne Branco, costeando a cidade de Porto Alegre, "singrando o Guaíba...".

P.S.²  A composição é de Orlando Porto e de Rochinha, como se pode ver nos comentários. Agradeço às familiares do compositor pela sua contribuição. Para mim é uma honra receber seus comentários. Apenas mantive a postagem porque acredito que discussão na postagem é válida - e nos comentários mais ainda! - no sentido de garimparem-se, com a ajuda de leitores do blog, esses dados autorais históricos.  Esta nota data do dia 22 de agosto de 2014.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Novos modelos de censura

Quem acessou o http://letras.terra.com.br/ atrás das letras de canções de Ana Carolina nos últimos meses deparou-se com a seguinte mensagem:

“As músicas de autoria da compositora Ana Carolina foram removidas em razão de solicitação dos titulares da obra. O Letras.mus.br está trabalhando para obter o licenciamento desse conteúdo.”

Paremos e pensemos sobre a situação que se apresenta, e que é absurda sob qualquer ângulo que se olhe. Como classificar essa “solicitação dos titulares da obra” de retirar letras de música de sites de letras? Chilique? Birra? Mamãe, publicaram minha letra e não me deixam brincar com a bola deles? Ou mesmo falta do que fazer, durante uma crise de falta de criatividade?

Pois eu digo: as letras foram retiradas do site muito provavelmente baseadas numa lei de direitos autorais, segundo a qual deve-se pagar aos autores pela publicação de sua obra. Mas vamos e venhamos, é uma atitude antipática somente. O site pode ter sido processado e pode ter até um pedido de pagamento para ressarcimento dos “danos”. Ora, ora, ora.... quais seriam os danos?

Para todos os efeitos de direito efetivamente se reconhece a autoria de qualquer coisa, e letras e músicas têm seu registro em vários lugares possíveis (desde a Biblioteca Nacional até o cartório do outro lado da rua). Mas sei que o objetivo de um site que publica letras de todos os músicos, e que aliás, as publicações são feitas com contribuições de usuários (pessoas comuns assim como eu e você), não tem a intenção de lucrar ilegalmente com o trabalho dos outros. Eu vejo esses sites que eu recomendo na coluna à direita do cifraamodaantiga como serviços de utilidade pública e cultural. Trata-se somente de uma divulgação cooperativa de informações. Não há como se fazer mistério com letras de música; as canções tocam no rádio, tocam na novela, estão no Youtube, e qualquer um pode transcrevê-las e... adivinhem: eis uma “publicação ilegal” da letra! Por que, então, implicar com um site em que usuários comuns enviam as transcrições das canções de seus ídolos? Há, inclusive, artistas que eles mesmos postam suas letras, ou as corrigem quando percebem que há erros. Sério, não duvidem disso.

Quem vai a shows eventualmente e gosta de se preparar para o evento, ouve os discos do artista, rememora as músicas, imprime as letras para ficar cantando, tudo para chegar no dia e ser parte do show, cantar junto tudo o que for possível. Esse é um clima legal num show.

Não sei em que medida há veracidade no conteúdo da mensagem, e caso seja absolutamente verdadeira, não podemos saber qual foi a motivação. Só sei que se alegaram que os CDs de Ana Carolina vêm com material impresso contendo as letras (eu sei porque eu tenho alguns CDs dela e eles realmente vêm com esse material), e que os fãs que compram os discos têm acesso a essas letras oficialmente, não há porque um site publicá-las sem a artista receber nada; sei que se isso foi a argumentação, não deve ter saído de um cérebro pensante. Porque isso é somente mesquinho e a atitude é antipática. Posso até assegurar que muitas dessas letras no site citado, entre outros, são enviadas pelos mesmos fãs que possuem os CDs, os DVDs, vão nos shows e gostam de compartilhar as letras de que gostam. Nesse sentido, contra quem que é a solicitação de retirar as letras do site, contra o site ou contra os fãs da artista?

E se a atitude é contra os fãs, quem acaba prejudicado lá pelas tantas é o próprio artista. Vou me usar como exemplo. Depois que li aquela mensagem já há uns vários meses atrás (e a mensagem ainda está lá hoje!) parei de ouvir Ana Carolina, pois isso me deu um desgosto grande. E posso dizer o porquê. Como diz Renato Russo em Bumerangue Blues, “tudo o que você faz, um dia volta pra você”. Uma atitude mesquinha como essa não gera uma energia boa, e o retorno para um artista mesquinho será fãs mesquinhos. Estou pasmo!

Quem quer ser artista de verdade deve querer a sua poesia na boca do povo, e não fechada num cofre de ignorância e de ganância; quem quer ser poeta deve, enfim, aprender com Sérgio Sampaio:


Cada Lugar Na Sua Coisa


Um livro de poesia na gaveta não adianta nada
Lugar de poesia na calçada
Lugar de quadro é na exposição
Lugar de música é no rádio

Ator se vê no palco e na televisão
O peixe é no mar
Lugar de samba enredo é no asfalto
Lugar de samba enredo é no asfalto

Aonde vai o pé arrasta o salto,
Lugar de samba enredo é no asfalto
Aonde a pé vai se gasta a sola
Lugar de samba enredo é na escola


http://letras.terra.com.br/sergio-sampaio/526072/


Solidarizo-me com os fãs e com o letras.mus.br contra este tipo de atitude censora que, pelo menos aparentemente, parte da própria artista ou de quem a assessora (mal, diga-se de passagem).


Até a próxima!


Luis Felipe


P. S. Não sei quem é o autor da ilustração, mas eu retirei-a do site http://linkpb.net/?m=20100611 tendo digitado na busca por imagens alusivas à censura.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Digo com todas as letras: roupa suja se lava no blog!

Bom, comecemos assim... Primeiro eu disse, numa postagem anterior, que não falaria de Chico Buarque, ever! Mas daí fui baixamente chantageado. Um amigo me ofereceu para publicar, com exclusividade aqui no cifraamodaantiga (pelo menos a exclusividade de ser o primeiro a publicar), uma caricatura feita por ele do Chico.

Claro, muitos podem pensar que é feio lavar roupa suja nos blogs, mas enfim. Foi baixaria mesmo. Porque eu sempre peço que ele faça umas ilustrações para as minhas postagens e elas nunca vem, então eu sempre coloco uns vídeos idiotas do Youtube, ou umas imagens cretinas catadas no Google, umas capas de umas revistinhas de cifras cheirando a mofo... Mas eu cedi à chantagem. Faço qualquer coisa por uma ilustração exclusiva para o blog. Mesmo que seja do Chico e que eu tenha que ir contra os meus princípios de não querer chover no molhado. Principalmente porque não sou muito criativo.

Eu tinha dito que me recusava a falar de Chico Buarque porque, provavelmente, já se disse tudo sobre ele. E também já se falou tudo e mais um pouco sobre a sua obra que, segundo creio, é o mais relevante de sua vida. Mas ao mesmo tempo eu disse, naquela mesma postagem, que saber sobre vida e obra de Chico contava pontos na tabela geral do flerte. Mostrar-se conhecedor de Chico conta pontos altíssimos. E se na noite da boemia o sujeito tirar um violão da manga e tocar Todo o Sentimento, bom... Segundo me disse meu amigo, lançando mão dessa estratégia, “Chico torna viáveis até os amores inviáveis”. Ele deve saber do que está falando.

Mas já que eu cedi a tão caro suborno, e comecei 2011 fazendo tudo errado, sendo completamente inescrupuloso com a obra alheia, vou chutar o balde mais ainda: vou colocar uma letra de uma música que eu mesmo compus há uns dois anos e que, depois de concluído o processo criativo e criado o produto, acabou virando, de certa forma, uma homenagem a Chico Buarque, e que também me recuso a comentar. Só digo que já que o Chico compôs os maiores clássicos com o tema separação (Trocando em Miúdos, Atrás da Porta, Gota d'Água, Eu Te Amo, trechos de João e Maria, entre outras), e considerando que o artista geralmente não canta a própria vida e que outro pode narrá-la; arrisquei-me, portanto, a tal heresia.

Confiram aí a letra, que já está musicada, e quando eu me dignar a fazer uma gravação decente, posso vir a publicar pelo blog! As aparentes referências a pessoas reais não tem necessariamente relação com a realidade (são quase que uma mera coincidência, um acidente no meio da criação poética). Tanto que o nome “Marieta” foi uma das últimas coisas a entrar nessa letra, cujo título Todas as Letras, estava definido desde o segundo verso. E “Marieta”, que não tinha sido pensada inicialmente, rimava mais ou menos com “todas as letras” na última estrofe, então... Tudo pelo bem da construção poética. Longe de mim querer falar de uma das separações mais comentadas de um dos nossos maiores artistas. Longe de mim querer cantar uma dor de verdade, uma dor de vidas vividas.


Todas as letras


vou te mostrar
com quantas letras se diz
não venha bancar a atriz
com a nossa situação
olha pra cá, por favor

me escuta com atenção
eu não me sinto feliz
suplicando teu perdão
por algo que eu não fiz
mas virou obsessão

enfim, eu quero dizer
que o nosso amor acabou
quem é que não percebeu?
e se o errado fui eu
você foi quem provocou

pois quando havia uma chance
de acender o romance
você me abandonou
e nem sequer me escutou
achando que era melhor...

...depois
tentou voltar mas não deu
o desencanto cresceu
você jamais mereceu
essa coisa de nós dois

escuta aqui, Marieta
digo com todas as letras
meu jeito manso se foi
e teu amor já não dói mais
em mim

Até a próxima!

Luis Felipe


[Cristiano, obrigado pela caricatura! Abraço, irmão.]

A prata da casa

Quando eu li esta crônica do Juremir Machado da Silva sobre o Nei Lisboa, no Correio do Povo, pulei pra trás de satisfação. Parecia um texto feito para este blog. Claro, não escrito por mim, obviamente, porque ele escreve muito melhor do que eu. Mas por achar que o texto tem tudo a ver com este espaço, e que agora em diante nem me atrevo a falar de Nei, eu transcrevo abaixo o conteúdo integral da coluna:


"Vapor do Nei

Nei Lisboa é muito bom. Sempre foi. Continua. O novo CD do nosso melhor músico gaúcho em atuação reúne seus clássicos (sim, Nei tem clássicos, o que é para poucos) e uma composição inédita, "Vapor da Estação", que dá título ao conjunto. Impressionam na arte de Nei a sutileza, a sofisticação, a elegância, os jogos de palavras inteligentes e a percepção justa, complexa e divertida do cotidiano. Nei é, ao mesmo tempo, compositor, observador da sociedade, antropólogo, autor de romance policial, poeta, boêmio, pai e cronista. Alguns dos seus achados honrariam as páginas dos melhores poetas do mundo, coisas como este "procurando Deus entre as folhagens do jardim" ou "eu quero é morrer bem velhinho, assim sozinho, ali bebendo um vinho, olhando a bunda de alguém". Bacana!

Custa crer que com "Vapor da Estação" Nei Lisboa esteja realizando a sua primeira turnê nacional. Se não fez antes, não foi certamente por falta de talento ou de convites. Como quase todo grande artista, Nei tem suas esquisitices. Talvez nunca tenha querido realmente passar pela vulgaridade de estabelecer-se no Rio de Janeiro ou em São Paulo para vender sua arte. Andou por lá. Não ficou. Voltou rapidamente para casa. Afinal, como os ouvidos de qualquer pessoa de bom gosto logo percebem, a arte de Nei é universal, mas com aroma local, exatamente como acontece com toda grande arte. Além de compor bem, Nei Lisboa tem uma voz linda, suave, quente, macia. Não faz esforço para cantar. Situa-se num lugar especial na galeria das belas vozes brasileiras. Não tem o vozeirão marcante de antigamente nem a falta de voz da atualidade.

"Um silêncio teu me pede pra voltar", diz Nei numa das suas canções mais sedutoras. Uma das suas habilidades é falar de amor sem pieguice. Para quem gosta de teorias ou de conceitos, Nei talvez possa ser rotulado de minimalista. Não há o menor excesso na sua música. Tampouco não é excessivo dizer que ele está entre os melhores compositores brasileiros atuais junto com Chico Buarque. Santo de casa, obviamente, dificilmente faz milagre. Nei faz. Construiu o seu espaço. No fundo, é um artista recatado. Nada pede, de nada reclama. Há um pouco de maldição nessa trajetória altiva e quase melancólica. Muitos se perguntam: por que Nei não é uma celebridade nacional? Porque não quis, não fez concessões, ficou por aqui, é sofisticado demais. Que sofisticação é essa? Uma sofisticação paradoxal, feita de simplicidade e leveza.

O Rio Grande do Sul tem sido feliz na geração de músicos admirados ou admiráveis. É o caso de Vitor Ramil, da banda Cachorro Grande, de Bebeto Alves e de tantos outros. A figura de Elis Regina paira soberana acima de todos. Porto Alegre pode dormir feliz. Tem Nei Lisboa como seu principal intérprete, aquele que sabe ler nas suas entrelinhas e expressar seus gemidos, suspiros e gritos de júbilo. Poucos cantaram como Nei os "Telhados de Paris". Poucos revelaram como ele a tragicômica falta de sentido desta nossa agridoce "vidinha burra". Num gesto radical de fã típico, dá para dizer: Nei é Nei."


Publicado no Correio de Povo em 29 de Novembro de 2010, na coluna de Juremir Machado da Silva.

Link para a fonte: http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=116&Numero=60&Caderno=0&Noticia=228204

A ilustração é a original da coluna (já que eu quis copiar, copiei tudo). Arte de Pedro Lobo.

Link para o website oficial do artista: http://www.neilisboa.com.br/

Feliz 2011 e sempre!

Até a próxima!

Luis Felipe