Note in English: scroll down up to the bottom of the page.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pernas

De novo eu volto com o tema da referência, seja ela proposital ou acidental. Eu, por minha conta e risco, acho que as referências nas composições de Vitor Ramil não são acidentais, não são mero acaso. Acho que são propositais, mas enfim, que ninguém se comprometa com isso. É só uma opinião mesmo, que talvez nem as análises sustentam.

Dessa vez acho que encontrei mais uma referência numa letra de Vitor Ramil, que sabe tudo de música. Se não for referência propriamente dita, então é uma coincidência. Mas uma coincidência muito interessante: o tema!

Pois, se o título dessa postagem começa com “pernas” e o leitor conhece as composições de Vitor Ramil, pergunto, em qual delas é mencionada a palavra pernas? Exato para quem disse Foi No Mês Que Vem. Hás dois versos; um em que ele não diz a palavra “pernas”, mas sugere numa descrição que evoca a clássica cena de Marilyn Monroe em O Pecado Mora ao Lado – “quando o vento fez do teu vestido um dom que Deus te deu” e em outro verso, desta vez mais explicitamente - “ digo aqui tô eu, que te amo e às tuas pernas quero bem”. Sim.

Não. Quer dizer, eu não estou escrevendo para falar da referência à cena do filme com a Marilyn, embora faça essa referência para desenvolver o argumento. A referência a que me refiro é uma composição de Sérgio Ricardo, aquele que musicou o filme de Glauber Rocha, Deus e o Diabo Na Terra do Sol. Qual o nome da composição de Sérgio Ricardo? Pernas!

Vamos, então, às coincidências:

As duas letras narram a situação de uma cantada, isto é, um homem que aborda uma mulher desconhecida e diz algum gracejo, para conhecê-la, e quem sabe o que mais (ele poderá tentar ou conseguir). E claro, há nessas narrações em tom poético a descrição de uma, chamemos, “dança de acasalamento” entre humanos. A fêmea exibe, ou não – e nesse caso apenas sugere – seus melhores atributos físicos. O macho se encanta, estufa o peito, eriça-se todo, rodeia a fêmea e finalmente a aborda. Uma diferença fundamental, e a graça das letras, é que numa das canções a coisa parece ser bem sucedida, e na outra não.

Nas duas canções a descrição ocorre a partir do ponto de vista do que faz a abordagem, o homem. Há referências muito claras em relação a aspectos visuais, isto é, o ponto de vista é, rigorosamente, o lugar de onde se vê. Em Foi No Mês Que Vem, diz-se, no primeiro verso, “vou te vi, ali deserta de qualquer alguém”, estabelecendo-se o ponto de vista. Em Pernas, há um jogo interessante; o início da abordagem é sinalizado por um sinal de trânsito: “sinal verde / atravessei pra lá do sol”; e a proibição da abordagem é sinalizada pelo sinal oposto, nos versos finais “luz vermelha no sinal do sol pra mim / perigoso atravessar pra lá do sol”; justamente depois que “uma buzina conversível / chamou para o conforto / as pernas lindas”.

Outra coisa que pode ser explorada na construção da letra de Pernas é a supressão de uns sujeitos, tanto gramaticais quanto, digamos, “humanos”. Isto é, há frases nominais, por um lado e, por outro, são os objetos da visualização do eu-lírico que efetivam as ações: as pernas levando a dona para passear, o bom senso a não permitir palavras, a buzina chamando as pernas para o conforto, etc.

Em Foi No Mês Que Vem, no entanto, não há sinal vermelho para a abordagem. Porém...

Existe a questão dos tempos verbais contraditórios, num jogo entre passado e futuro que, menos que “contraditório” em sentido estrito, tem uma intenção poética, talvez, de se criar o fato entre o porvir e o realizado, que não é um limbo temporal, mas o próprio presente inapreensível, que imediatamente escapa pois nem o "presente gramatical" é capaz de descrever este presente mítico e sempre fugaz, tendo em vista, por exemplo, que ao terminar de dizer “escrevo” já virou “escrevi”.

Uma coisa de que os compositores se serviram, coincidentemente, foi da questão da dissonância. Sérgio Ricardo, inclusive, nas primeiras frases musicais, dos primeiros versos, procura talvez provocar um efeito de buzina na melodia, com cada palavra cantada em sttacato e numa nota diferente, algo que se assemelharia às buzinas no trânsito congestionado. Claro, isso é interpretação. Eu jamais poderia dizer que houve intenção, porque isso não é acessível. E se perguntassem para o autor perderia a graça, desfazia-se o mito. Melhor deixar assim. Na canção de Vitor Ramil, a dissonância também é bastante explorada, nos acordes da harmonia e na própria melodia, com notas próximas e alguns cromatismos, inclusive. Aliás, há uma versão dessa música em que Ramil canta e ninguém menos que o Egberto Gismonti faz uns barulhos muito loucos no piano. Dissonância total. Ele faz uns arpejos, se eu consigo descrever em palavras, escalas ou acordes rápidos destacando nenhuma das notas da tríade, mas uma das notas dissonantes dos acordes. Acho que é isso.

Abaixo as letras, e mais abaixo ainda, link para as canções no Youtube, para quem não as conhece:



Pernas

Sinal verde atravessei pra lá do sol
Triste o sol e uma tristeza em mim
Porém... surgiu ao sol da tardinha um par de pernas lindas
Levando a dona delas o meu olhar atrás
O meu bom senso não quis me permitir palavras
Sem que um olhar se fizesse esperança
No sol da tarde inspirei-me pra dizer ternuras
Ao lado daquelas pernas para a dona delas
Porém uma buzina conversível
Chamou para o conforto as pernas lindas
E eu devolvi ao sol da tarde a inspiração
Luz vermelha no sinal do sol pra mim
Perigoso atravessar pra lá do sol



Foi No Mês Que Vem

Vou te vi
Ali deserta de qualquer alguém
Penso, logo irei
Que seja antes minha que de outrem
Quando o vento fez do teu vestido
Um dom que Deus te deu
Claro que eu rirei
Ao vendo o que outro alguém não viu

Vou andei
E me chegando assim te cercarei
Digo, aqui tô eu
Que te amo e às tuas pernas quero bem
Já que estamos nós
Te sugeri-me então o que fazer
Claro que eu beijei
Ao tendo o que outro alguém não quis

E tudo isso
Foi no mês que vem
Foi quando eu chegar
Foi na hora em que eu te vi
E mais que tudo
Foi no mês que vem
Foi quando eu chegar
Na hora em que eu te quis

Vou fiquei
No teu chegado e tu chegada ao meu
Penso, grande é Deus
Um paraíso prum sujeito ateu
E pensando assim
Farei aquilo que o teu gosto quis
Claro, eu já ganhei de volta
Tudo o que eu quiser


Foi No Mês Que Vem:

http://www.youtube.com/watch?v=04dys23psfE&feature=player_embedded

Pernas:

http://www.youtube.com/watch?v=VHqlU1G67ik&feature=player_embedded#!


Até a próxima!

Luis Felipe

Nenhum comentário: