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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Doces damas das camélias



O que tem a ver uma música da safra romântica do Roberto Carlos, um filme de Holywood que se passa em Las Vegas com o Nicholas Cage fazendo o papel de uma alcoólatra terminal, um romance francês do século XIX escrito pelo escritor francês Alexandre Dumas Filho, e uma clássica balada da banda inglesa The Police?

Aí é que está. É difícil se falar em aspectos autobiográficos quando se analisa a obra de um artista. A rigor, a obra é a obra, e isso não tem necessariamente a ver com a vida do artista. Se há artistas que misturam? Sim, há. Mas isto está longe de ser regra, muito mais provavelmente é a exceção. Dizer, por outro lado, que eventos da vida vão ter alguma influência sobre a obra, é outra coisa. Mas quase tudo é possível.

Caso alguém ainda não tenha respondido à pergunta inicial, eu dou a resposta: essas quatro obras têm em comum o fato de que o protagonista, ou o eu-lírico, no caso das canções, apaixona-se por uma cortesã, isto é, uma prostituta. Eu li em algum lugar, e a pessoa que escreveu jurava de pé junto, que Dumas escreveu A Dama das Camélias como uma forma de testemunho autobiográfico. Não posso dizer nem que sim, nem que não. Posso dizer, isso sim, que tal obra tem elementos notórios do Romantismo, e para quem não sabe romantismo nem sempre quer dizer paixonite, namorico, etc. O Romantismo, na literatura, é o período que reúne obras em torno de um estilo mais ou menos similar, porque tiveram influência da época - a transição do feudalismo para o capitalismo - e que daí se dizia que a cidade era degradante e o campo edificante. Uma série de coisas marcaram cerca de dois séculos do Romantismo na Europa: o êxodo rural e a formação das metrópoles, a decadência de monarquias e a ascensão da burguesia, e principalmente uma sensação de deslocamento que estava apenas começando.

O protagonista de A Dama das Camélias, Armand Duval, justamente, vai para a cidade – Paris - e conhece a cortesã Marguerite Gautier, por quem se apaixona. O romance (de amor) dentro da obra romântica (do período) existe, sim. Mas não é necessariamente mais nem menos romântico, no sentido mais popular do termo, do que outros períodos de outros estilos literários. Simplesmente, pelo conjunto de obras que se analisa se poderá dizer que, de modo mais ou menos predominante, em determinada época, na visão daqueles autores, casava-se mais por conveniência social do que por amor, ou vice-versa. Jane Austen, por exemplo, autora e alcoviteira da Inglaterra pré-capitalista, mostra em suas obras que os casamentos eram arranjados para servir à conveniência tanto da noiva quanto do noivo. E mesmo assim tem amor de sobra na obra da obra de Jane Austen, para quem quiser se divertir e se encantar com obras literárias que têm romance (de amor) sem ser românticas (do período).

Também posso dizer que A Dama das Camélias é uma obra que vale a pena ser lida. A ópera La Traviata de Giuseppe Verdi é uma releitura da obra de Dumas, o que só comprova seu impacto como uma narrativa fundamental na cultura literária (e musical, a partir da ópera). Mas também vale a pena ler, antes, Manon Lescaut de Abade Prévost (que também virou uma ópera, homônima, composta por Giacomo Puccini) e que, ao que parece, fez começar essa tradição das narrativas de alguém que se apaixona por uma mulher de conduta suspeita, que culminou com a polêmica e genial obra-prima de Gustave Flaubert, o romance Madame Bovary, cuja heroína e protagonista é uma mulher à frente de seu tempo que não pode ser comparada às outras, e que acabou virando filme muitos anos mais tarde. E dessa tradição, que provavelmente tem muito mais obras, eu aponto quatro que são da maior relevância: o próprio A Dama das Camélias, romance de Alexandre Dumas Filho; Leaving Las Vegas, filme com Nicholas Cage e Elizabeth Shue, dirigido por Mike Figgis e baseado num romance de John O'Brien (também acusado de fazer obra autobiográfica); Falando Sério, canção eternizada na voz Roberto Carlos e composta por Maurício Duboc; e Roxanne, canção da banda The Police.

O filme de Figgis é o máximo. O máximo em se falando de um amor ultra-romântico. O personagem de Nicholas Cage é um roteirista de cinema alcoólatra que, depois de ser despedido por não conseguir mais dar conta do trabalho em virtude do vício, decide ir para Las Vegas para se despedir da vida bebendo (e por isso o título é Despedida em Las Vegas). Nisso, ele acaba “esbarrando” na prostituta que é a personagem vivida pela bela Elizabeth Shue. Como ela é uma pessoa sem amor-próprio, e por isso é prostituta, na tese do filme, e ele também não tem amor-próprio, e por isso é escritor, digo, alcoólatra, suas duas almas inúteis e perdidas acabam se encontrando uma a outra. Eu encontrei o trailer no Youtube (vi o filme umas duas vezes há uns vinte anos) e achei que, pelo teaser, parece um filme leve e divertido. Mas o trailer engana, trata-se de um filme denso, de um relacionamento quase impossível e de um amor dolorido, em todos os sentidos.

As canções, diferentemente do romance e do filme, são construções bastante mais modestas, em termos de narrativa. Mas aí que é bom – a letra de música, como a poesia em geral, deve ser concisa e breve, trazer uma grande dimensão narrativa, se for o caso, na ligeireza de uma enunciação, num sopro de fala. Nas duas canções, coincidentemente, o eu-lírico dirige-se à mulher da (sua) vida. Em Roxanne não há dúvidas quanto a essa interpretação que diz que a mulher é, como se diz, da vida fácil. Canta-se “you don't have to sell your body through the night (...) you don't have to walk the streets for money”. Claro, a menos que se pense que vender o corpo pela noite e caminhar nas ruas por dinheiro seja outra coisa. Em Falando Sério essa questão da amada e interlocutora do poeta ser uma garota de programa é quase sutilmente sugerida na estrofe em que se canta “falando sério / eu não queria ter você por um programa / e apenas ser mais um em sua cama / por uma noite apenas e nada mais”.

Aliás, o apaixonado por Roxanne, pelo que se diz na letra, parece já ter tido progressos em “reabilitar” a moça, quando diz “those days are over”. Mas ele tem que voltar a lembrá-la de que ela não precisa vestir o vestido vermelho, usar a maquiagem pesada e compartilhar seu corpo com os habitués de determinados arredores de Westminster at night, porque parece que ela gosta de se dedicar ao trabalho. A letra de Roxanne é um choramingo dele nesse sentido; ele diz “you don't have to put on the red light” que é uma frase ambígua, mas que não salva a reputação dela de forma alguma.

E se, por um lado, em Roxanne, o poeta apaixonou-se antes, imprecisamente, mas no passado (“I've loved you since I knew you”); por outro, em Falando Sério o eu-lírico parece estar se apaixonando naquele momento. Canta-se “por uma noite apenas e nada mais”. Perguntamos – é a primeira noite dele com ela? A última? Não necessariamente. Falando Sério é uma narrativa um pouco mais complexa e menos clara do que Roxanne; em alguns momentos da letra parece haver uma rotina de encontros (“é bem melhor você parar com essas coisas / de olhar pra mim com olhos de promessas”) e em outros, o eu lírico parece apegar-se ao momento desse encontro como se fosse a única vez (entre nós dois tinha que haver mais sentimento / não quero seu amor por um momento / e ter a vida inteira para me arrepender).

Ah, eu já ia esquecendo de outro filme que tem mais ou menos uma história parecida: Uma Linda Mulher, com Julia Roberts e Richar Gere. Nãããão, melhor seria nem ter lembrado mesmo. A diferença? Uma Linda Mulher é inspirado numa fábula como Cinderela, é um mamão-com-açúcar perto de Despedida em Las Vegas e das outras histórias: não é uma narrativa densa feita de Romantismo e realidade!


Os links:

Falando sério
http://letras.terra.com.br/roberto-carlos/77139/

Roxanne
http://letras.terra.com.br/the-police/31174/

Até a próxima!

Luis Felipe

sábado, 25 de dezembro de 2010

Adoráveis cafajestes

Dizem por aí que mulheres adoram cafajestes. Eu não sei se é verdade ou não porque não sou nem mulher nem cafajeste. Pelo menos não completamente, se é que me entendem. Acho que já fui (cafajeste, quem nunca foi alguma vez?), mas não vem ao caso. E também existe mulher cafajeste. Mas a questão aqui é outra, ou pelo contrário, a mesma; a que predomina no blog – letra de música. E letra de música em que o eu-lírico se assume cafajeste tem de dois tipos básicos: as mais explícitas e as muito sutis. Tomemos, por exemplo, Disritmia, do Martinho da Vila; é explicitamente uma manifestação poética em que o poeta é um cafajeste assumido. No refrão, ele diz “vem logo, vem curar teu nego / que chegou de porre lá da boemia”. Cara de pau! Mas é uma cara de pau necessária. Vejam que letra, que “recantada”:

Disritmia


Eu quero me esconder debaixo
Dessa sua saia pra fugir do mundo
Pretendo também me embrenhar
No emaranhado desses seus cabelos

Preciso transfundir seu sangue
Pro meu coração que é tão vagabundo
Me deixe te trazer um dengo
Pra num cafuné fazer os meus apelos

Eu quero ser exorcizado
Pela água benta desse olhar infindo
Que bom é ser fotografado
Mas pelas retinas desses olhos lindos

Me deixe hipnotizado
Pra acabar de vez com essa disritmia

Vem logo, vem curar seu nego
Que chegou de porre lá da boemia


E a mulher pensa “é cafajeste, mas é poeta”! Pior são as que cedem aos encantos dos cafajestes (quais encantos?) que nem poetas são e nem têm nada de especial para oferecer. Em Disritmia o poeta chega com aquele palavreado fantástico que, se não estou errado, fala ao universo feminino, e fala no ouvidinho que se escuta pelo coração sensível, e ele passa de sem-vergonha e canalha a sujeito frágil e sensível (“quero me esconder debaixo / dessa sua saia pra fugir do mundo”). Tadinho, tão frágil e tão sensível que foge da tarefa de enfrentar a sua natureza cafajeste. E a mulher compreende. E perdoa.

Tem duas canções, além dessa acima, em que o atestado de eu-lírico cafa é dado mais sutilmente, mas de modo igualmente poético ou mais. Até pode haver outras, mas eu vou nessas agora. O eu-lírico não precisa dizer “voltei de porre da boemia” tão diretamente. E o que será que rolou nesse porre? Na canção O Portão, do Roberto Carlos, fala um cafajeste que se ausentou por bastante tempo. Foi, talvez, viver a promessa de um outro amor:


O Portão

Eu cheguei em frente ao portão
Meu cachorro me sorriu latindo
Minhas malas coloquei no chão
Eu voltei

Tudo estava igual como era antes
Quase nada se modificou
Acho que só eu mesmo mudei
E voltei

Eu voltei agora pra ficar
Porque aqui, aqui é meu lugar
Eu voltei pras coisas que eu deixei
Eu voltei

Fui abrindo a porta devagar
Mas deixei a luz entrar primeiro
Todo meu passado iluminei
E entrei

Meu retrato ainda na parede
Meio amarelado pelo tempo
Como a perguntar por onde andei
E eu falei

Onde andei não deu para ficar
Porque aqui, aqui é meu lugar
Eu voltei pras coisas que eu deixei
Eu voltei

Sem saber depois de tanto tempo
Se havia alguém a minha espera
Passos indecisos caminhei
E parei

Quando vi que dois braços abertos
Me abraçaram como antigamente
Tanto quis dizer e não falei
E chorei


Claro que pode aparecer alguém para dizer que a biografia do Roberto Carlos não necessariamente justifica essa interpretação, e que no caso dele essa música pode até ter a ver com a relação entre ele e os pais, no capítulo do retorno à casa dos pais. Mas eu não estou falando dos autores e muito menos das vidas deles. Estou falando, isso sim, do que pode ser interpretado a partir das letras, e para tanto eu me refiro ao poeta ou ao eu-lírico, jamais ao autor (e poeta nem sempre quer dizer a mesma coisa que o autor).

Então, neste sentido, a mesma coisa que vale para Disritmia vale para esta última; só que em O Portão o poeta passou muito mais tempo longe, o suficiente para o retrato na parede amarelar, e não foi somente uma noitada. Ah, obviamente, e mesmo que todo mundo tenha percebido eu ainda posso mencionar; em Disritmia o poeta dirige-se à mulher; em O Portão o poeta conta a história do seu retorno. Mas tudo bem, eu admito que há uma diferença maior ainda: na canção do Roberto nos fica a dúvida se é uma letra de cafajeste ou não.

A melhor evidência é “dois braços abertos”, que sugere que sejam de uma pessoa somente, e de uma mulher, infere-se. A menos que esteja subentendido que “dois” sejam dois pares de braços, aumentando o número de braços para quatro, e há quem argumente que não seria preciso dizer “dois braços” para dizer um par de braços porque isso é o que se espera numa pessoa nascida sem problemas anatômicos, e que o “dois” tenha um valor significativo combinado com um termo que está elíptico (os dois pares), para justificar a interpretação de retorno à casa dos pais. Mas, eu hein... Que discussão sem futuro. É letra de canalha e pronto, e que resolveu voltar para a mulher depois de uma longa aventura fora. Inclusive, no verso "meu retrato ainda na parede", há uma pista a favor do meu argumento. Não se imagina que os pais tirariam das paredes ou das estantes da casa os retratos de um filho desgarrado; uma mulher magoada pelo homem que a abandonou, sim. Tudo isso está sendo dito pelo "ainda".

A outra canção de que quero falar é a mais discreta das três. Curiosamente, ela tem elementos das duas músicas acima. Outra curiosidade é que há quem não aceitaria de forma alguma o argumento de que é uma letra de cafajeste porque o autor, Lô Borges, é um pacato bom menino mineiro. Novamente há que se excluir o autor, pois não falamos dele. Estou falando daquela belíssima canção, Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, que tem um progressão (ou regressão) harmônica cheia de cromatismos nos bordões. Tá, é uma progressão num cromatismo descendente, e é isso que provoca um efeito musical de melancolia nessa canção. Mas introduzo o argumento da letra de cafajeste fazendo relação com trechos das anteriores. Quando se diz, nos primeiros versos de Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, “cheguei a tempo de te ver acordar / eu vim correndo à frente do sol”, isso significa passar pelo menos a noite fora, como no refrão de Disritmia, apenas dito um pouco mais metaforicamente.

Há uma coincidência também entre Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor e O Portão, em um trecho importantíssimo das letras, em que o poeta-cafa, antes de entrar, para e pensa no que vai dizer, e se vale a pena: Em O Portão se diz: “fui abrindo a porta devagar / mas deixei a luz entrar primeiro / todo o meu passado iluminei / e entrei”. E iluminar o passado é conferir-lhe brilho; isto é, se o passado se ilumina nesse instante de derradeira hesitação é porque vale mesmo a pena voltar. Em Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor, diz o poeta: “abri a porta e antes de entrar / revi a vida inteira / pensei em tudo que é possível falar / que sirva apenas para nós dois”. É aí, nesse “que sirva apenas para nós dois” que ele se entrega ao meu argumento. Porque o que “serve apenas” é exceção, nunca regra. E se a regra é a fidelidade monogâmica e um jamais deixar o outro; então o poeta cafajeste vai argumentar que, especificamente, há de se considerar uma exceção para ele.

Qual a exceção? Tcharã! Há coisas que a simples moral não compreende, e por isso ele diz “pensar além do bem do mal”, porque um marinheiro (será?), que eventualmente pode ceder a “desejos de cais”, pelos portos por que passa, pode argumentar que essa dura realidade ("o mundo lá sempre a rodar / em cima dele tudo vale") não precisa afetar o sagrado universo do casamento:

Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor

Cheguei a tempo de te ver acordar
Eu vim correndo à frente do sol
Abri a porta e antes de entrar
Revi a vida inteira

Pensei em tudo que é possível falar
Que sirva apenas para nós dois
Sinais de bem, desejos de cais
Pequenos fragmentos de luz

Falar da cor dos temporais,
de céu azul das flores de abril
Pensar além do bem do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu

O mundo lá sempre a rodar
Em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor
Estrada de fazer o sonho acontecer

Pensei no tempo, e era tempo demais
Você olhou sorrindo pra mim
Me acenou um beijo de paz
Virou minha cabeça

Eu simplesmente não consigo parar
La fora o dia já clareou
Mas se você quiser transformar
O Ribeirão em braço de mar

Você vai ter que encontrar
Aonde nasce a fonte do ser
E perceber meu coração
Bater mais forte só por você

O mundo lá sempre a rodar
Em cima dele tudo vale
Quem sabe isso quer dizer amor
Estrada de fazer o sonho acontecer


Depois que o poeta argumenta tudo aquilo, portanto, a amada acena um beijo de paz. Não quer briga, talvez sinta saudades ou tenha outros desejos. E assim a situação vira completamente a favor do cafa. Ele, que chega pouco antes do sol nascer - cheio de explicações - é que acaba por ter o poder de satisfazê-la. Talvez ela até queira que ele dê satisfações depois. E todo mundo sabe, satisfazer e dar satisfações são coisas completamente diferentes. Mas agora, com algum gesto, um aceno, ela “vira a cabeça” dele porque quer dele primeiro a satisfação mais primitiva. Que trunfo na mão!

Trunfo porque dependendo que ele disser ou fizer agora, ou põe tudo a perder ou ganha o céu. E a partir daquela sentença condicional vagamente suspeita de ser uma metáfora sensual (“se você quiser transformar / o Ribeirão em braço de mar”) ele faz a “recantada”, dizendo as palavras mais doces e românticas que a mulher já ouviu: “você vai ter que encontrar / aonde nasce a fonte do ser / e perceber meu coração / bater mais forte só por você”. E tudo está salvo...

Porque um homem, digamos, “normal”, conquista a mulher uma vez e quer tê-la como sua pela vida inteira, e não acha que corre o risco de perdê-la porque ele é, em tese, o melhor “produto” para um relacionamento – o homem certinho, direito, fiel. O cafajeste, por outro lado, sempre na corda bamba, precisa reconquistar a mulher constantemente, pois mesmo que ela não saiba de nada, as culpas o atormentam. E talvez seja por isso que as mulheres, caso isso se aplique a alguém de verdade, acabam preferindo os cafajestes. É que elas adoram as “recantadas”, e quanto mais poéticas, melhor.


Até a próxima!

Luis Felipe



Links para as canções no Youtube:

Disritmia:

http://www.youtube.com/watch?v=MF4UsW4--sM&feature=fvst

O Portão:

http://www.youtube.com/watch?v=zbOuI5hv2yo

Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor:

http://www.youtube.com/watch?v=1BGxHfV7TWw&feature=player_embedded


P.S. O moço do retrato, para quem não sabe, é o ator Clark Gable, do clássico norte-americano O Tempo e o Vento. O seu bigode ficou conhecido como “bigodinho de cafajeste”, por alguma razão.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Rodinha de violão e festas de final de ano

Primeiro pensei em chamar este texto de “Porque eu odeio rodinhas de violão e festas de final de ano”. Depois pensei que, apesar da conjunção aditiva, por um lado, a ordem linear sintagmática não garantiria a explicativa na dimensão de cada coisa. Só não gosto quando acontecem juntas, e sob determinadas circunstâncias desfavoráveis. Mas ainda tentando escrever um título decente para a postagem, fui reformulando, troquei o “e” por “com”, por “em”, e fui parafraseando, para enfim me dar conta que não tinha jeito, o efeito era sempre ruim e sempre soaria mal humorado. O mal humorado da turma. Não sou isso. Pelo menos nem sempre.

Claro que fica parecendo um pouco aquele programa Cilada, o episódio Festas de Final de Ano da Firma, no momento em que lá pelas tantas um dos “colaboradores” da empresa, bebaço, pega um violão e começa a tocar o maior hit do Wando (“você é luz, é raio, estrela e luar...,”) para ver se consegue alguns sorrisos, alguns aplausos e finalmente uma história com a loirinha nova que chegou para o setor da contabilidade. Eu hein... Programa muito brega falando de uma situação mais brega ainda e com a trilha sonora em questão... eu fora!

Eu nunca fui de me escalar para tocar nas tais festas. Sou tímido. E acho que canto mal (mas pelo menos dizem que eu toco razovelmente bem – ufa!). Mas dessa vez, assim como no ano passado, embora em um trabalho diferente, fui intimado a tocar na festa de final do ano. Que situação...

Aí que me vem toda a memória ruim das tais “rodinhas de violão” em festas com bastante gente, e muita gente que não conhece você direito. Porque é complicado mesmo. Quem toca alguma coisa sabe. Considerando a carência de educação musical que assombra nossa população, as pessoas não sabem que os músicos, como membros de, digamos, um específico grupo social – os artistas - fazem a sua arte para se expressar. Mas este, em si, não é o problema. O problema é que as pessoas acham que porque você toca violão você é capaz de tocar qualquer coisa, como se você fosse um aparelho de CD Player, MP3 Player, e etc – basta apertar o play.

Mas o pior são os pedidos. Porque desde os mais modestos “tocadores de violão” até os mais sofisticados violonistas, geralmente, têm seu repertório. Mais complicado é quando você tem um repertório, mesmo se vasto, elegante ao seu gosto, e a plateia lhe pede –“ toca aquela do Tomás Chocado e do Vilso Frido, A Reta Abunda”. Pelo menos o título da “canção” indica como vai ficar a sua cara...

E não adianta. Eu tenho amigos de vinte anos (de vinte anos de amizade) que dizem que eu toco de tudo. É mentira. Eu toco meia dúzia de músicas. Eventualmente me interesso por uma ou outra e tento tirar. E duvido que tenha alguém que toque de tudo e toque bem. É possível tocar de tudo de qualquer jeito. Mas é uma prostituição, de alguma forma.

Os músicos que tocam em bar procuram agradar a plateia. E entre músicos mais metidos a besta existe a discussão sobre o que tocar. Mas os que ganham algum dinheiro tocando de tudo estão certos, eu acho. Querem viver de música. Eu também gosto de ir num bar onde tem alguém cantando e tocando bem um repertório variado, se adequado ao meu gosto. Já vi músicos de bar que carregavam pastinha de repertório, com cifras, às vezes pegando músicas meio que de improviso. Isso é possível. Mas não é verdade.

Não é verdade no sentido de que isso seja uma manifestação artística – está mais para uma manifestação mecânica, pois o artista, cada vez mais, para agradar a um público aleatório tem que se parecer com a máquina, como o CD Player, ou qualquer outro player. Mas nem todo mundo que toca gosta disso. Muitos gostam, na verdade, de tocar seu repertório. Tomem como exemplo os artistas de renome. Eles tocam seu repertório, inclusive emitem para a imprensa, em caso de shows grandes, uma lista de provável repertório. Porque eles ensaiam aquelas canções, talvez até trazendo algo novo nos arranjos. E talvez sejam artistas de renome porque não se abriram demais a pedidos. Não tenho certeza. Mas um músico se apresentando não é, jamais, um aparelho de reprodução. É, na verdade, um ser humano, sujeito ao erro, e que se prepara para o evento, considerando seus limites (cansaço, memória, disposição, etc) e que se apresenta porque gosta do que faz, e não porque "tem que" fazer.

Por isso que não gosto muito das rodas de violão. Gosto de me apresentar, até, para públicos pequenos, de gente educada, para poder direcionar a minha apresentação para o repertório que eu escolher, porque o tenho mais ou menos bem ensaiado. E até composições próprias, que embora possam ser canções modestas, eu me orgulho de mostrá-las. Às vezes.

Para a semana que vem, no meu trabalho, pediram-me para “dar uma canja” na festa de confraternização. Eu topei, mas condicionei, de certa forma, que eu elegeria o repertório. Assim, escolho um entre dois embaraços – ou não saber tocar o que me pedem, ou não agradar com o meu repertório. Fico com esta última alternativa porque ela é um investimento de longo prazo. Se meu repertório não agradar, provavelmente não me convidarão no próximo ano. Se agradar, me transformo no seresteiro oficial da turma.

Até a próxima (se eu sobreviver aos tomates...)

Luis Felipe


P.S. Link para a origem da caricatura, o blog do caricaturista: http://alvarocabral.blogspot.com/2010/08/wando-caricatura.html

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Inocentes demais




Agora, fazendo oposição a uma postagem intitulada de Indecentes, cuja primeira linha sugeria para retirar as crianças da sala, nada mais justo do que fazer uma postagem para incluir os inocentes. E não, não falaremos da Turma do Balão Mágico, nem nada assim. Mas acho que de qualquer forma é possível chamar as crianças (ou não!) para o papo. Enfim, o assunto ainda é o mesmo – namorico - mas desta vez tratado de uma forma bastante infantil até. Tanto e tão inocente que gera um efeito de ironia.
Trata-se de Vo(C) da extinta banda porto-alegrense Vídeo Hits, que era encabeçada pelo multimídia e pluritalentoso Diego Medina. Ironia pura. Não que uma letra de canção não possa ter sua ingenuidade genuinamente. Mas eu não consigo ver dessa forma. A maldade está na cabeça de quem quer ver. E não quero dizer com isso que seja ironia no sentido de que se está dizendo umas palavras doces, inocentes até, para dizer obscenidades, no fundo. Nada disso.
A questão para a qual quero chamar atenção é justamente do exagero dessa ingenuidade, que produz sentidos e dialoga com um conjunto de letras românticas e melosas – Vo(C) é uma baita de uma sátira ao exagero pop. É uma sátira, inclusive, de coisas que nem tinham surgido ainda quando a música foi feita. Pode uma sátira antecipar o objeto satirizado? Se já dissemos todos os outros absurdos, como por exemplo, que a resposta vem antes da pergunta, então me auto autorizo a dizer que a sátira pode antecipar o objeto da sátira. E o excesso das bandas pop está afunilando para coisas que não são nada novas: musiquinhas alegres e visual colorido me faz lembrar do Balão Mágico e do Trem da Alegria. Ah, mas essas manifestações musicais do pop (emo, coloridos, happycore, etc) têm o peso das guitarras que esses conjuntos musicais infantis não tinham... Quem disse? Vocês não sabem se na minha infância eu não ouvia Balão Mágico plugado no cubo com o overdrive (efeito de distorção) lá em cima. Juro. Jairzinho e Simoni para mim eram como Andreas Kisser e James Hetfield. Tá, é brincadeira. Eu nem mesmo conheço uma parte daquilo que estou falando (qual?), nem faço questão de conhecer. Minha FM, e muito menos minha vitrola, não toca qualquer coisa. E viva a música boa em geral, que dispensa rótulos, na verdade.
Mas agora falando sério, mais ou menos, é disso do que estou tratando. A ironia da canção da Vídeo Hits é uma grande tirada de sarro com um excesso pop de vertente romântica. Tanto que, enquanto as bandas pop (e incluam as boas bandas aí) já estavam se repetindo nos clichês de “quero você”, e aí por diante, houve algumas manifestações partindo de criativos artistas que conseguiram olhar para uma tradição já cansada de se repetir, e fazer outra coisa, mesmo aparentemente fazendo o mesmo. Nesse sentido, pelo menos eu acho, Por Você, do Barão Vermelho, não é uma repetição (já é uma outra coisa, é uma enumeração de exageros - "por você, desejaria todo dia a mesma mulher"); enquanto Como Eu Quero, do Kid Abelha, mesmo sendo uma belíssima canção, não está questionando a regra, mas aplicando-a. E é justamente isso que se faz em Vo(C), da Vídeo Hits: fazer outra coisa que não seja necessariamente "aplicar a regra". Na canção, marca-se exageradamente uma inocência produzindo-se um sentido. Isto é, não é uma canção que quer exatamente ser levada a sério como letra de música romântica pop. Mas satirizar, assim, as outras.
Vo(C)
Deixa eu mostrar aquela nuvem lá no céu
Um pedacinho de hortelã
Vai refrescar todas as horas da manhã
E quando eu sentir sua boca a me beijar
Seu beijo vai me acalentar
Vou suplicar pra que me beije de mansinho
Com o rosto coladinho
Respirando baixinho
Será que é pedir demais pra mim
Uma garota assim?
Vou lhe esperar comportadinho no quintal
Roendo as unhas devagar, agoniado
Atrás das roupas no varal
Você então com os olhos a me procurar
Deixe esse céu azul queimar
Qualquer restinho de espera e solidão
Segure minha mão
É assim que vai ser
Sempre estar com você
Foi feitinha pra mim
Uma garota assim

Até a próxima!

Luis Felipe

sábado, 4 de dezembro de 2010

Para o poeta do infinito


Um amigo tem me sugerido que eu escreva alguma coisa sobre o Paulinho da Viola. Sobre esses caras, essezinhos... Paulinho da Viola, Chico Buarque, outros poucos, eu me recuso a falar. Não que não mereçam um comentário de verbo frouxo e descompromissado do blog de boteco. Vejo o blog como uma conversa de boteco. Os textos são mesmo às vezes inspirados em argumentos de boteco. O que eu poderia dizer sobre o consagrado Chico? Chico é tudo. É Chico na música e Machado de Assis na literatura, não pelas suas incomparáveis qualidades e temáticas; pois são ótimas as qualidades de ambos, cada um à sua medida artística; mas são qualidades diferentes, de dizeres e significados comparavelmente contundentes na cultura brasileira e no que se diz sobre essa cultura. Se comparo Chico Buarque a Machado de Assis é pensando na recepção de sua obra e na produção que se faz sobre eles. Não falo em relação à obra. Refiro-me ao fato que todo mundo já disse tudo. Então estou isento de falar de Chico. Mas falar sobre Paulinho é mais difícil que tudo.

Paulinho é pouco falado, talvez, apesar de muito reverenciado, salvo exagero, pelos maiores e melhores. Excetua-se o exagero. Porque nada em Paulinho é exagerado. Artista meticuloso, quase minimalista, quer passar a sua música e não causar uma impressão pela imagem. Quem lembra de Paulinho da Viola se apresentando nas últimas duas ou três décadas senão trajando um sóbrio conjunto de terno e camisa? Há quem diga que ele se apresenta burocraticamente. Há quem diga que artista tem que ter um moicano ou uma argola gigante no nariz. Não se engane: aqueles que souberam e sabem fazer A ARTE não necessariamente sentem a necessidade de fazer do seu corpo e do seu guarda-roupa um ateliér de bizarrices ultramodernistas. Paulinho é conciso e preciso. Até no guarda-roupa.

E nas letras... é aí que coisa encrespa. Se do Chico já se disse tudo, do Paulinho da Viola, não necessariamente. Porque Chico, como bom malandro, faz seus adoradores se sentirem inteligentes. Todo mundo tem uma citação de Chico na manga para ocasiões oportunas. Mostrar para a garota (ou para o garoto) que conhece, e o quanto conhece de Chico, é mostrar que tem conteúdo, e ganhar pontos na tabela geral do flerte. Eu acho que sei tudo de Chico, vida e obra completa de trás pra frente, mas não falo nem o nome dele inteiro porque me recuso. Mas falar de Paulinho é diferente; é na verdade quase uma impossibilidade. Paulinho da Viola é o poeta do silêncio: “o poeta declina daquilo que ele não sente / e o silêncio é o peso que ele conduz / mas se o tempo se acha no céu do poente / e do céu se retira um pedaço do azul / o poeta ressurge e lança no ar a semente / e reparte feliz a sua luz”. Quer dizer, essa canção, Quando O Samba Chama, quase uma brincadeirinha em forma de samba, em meia dúzia de versos, diz muito sobre o fazer poético.

Algumas letras de Paulinho da Viola nos provocam reflexões profundas. Nenhuma conclusão verbalizável talvez. Estou falando, mais ou menos, no todo da obra, e do todo de cada letra. Paulinho não pode ser considerado senão no conjunto da obra. Vide, por exemplo, suas recorrentes metáforas de marinheiro. Não se pode falar de Timoneiro (“não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”), sem referir a Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida (“foi um rio que passou em minha vida / e meu coração se deixou levar”), ou Mar Grande (“se navegar no vazio / é mesmo o destino do meu coração / parto pra ser esquecido / navio perdido na imensidão”) ou às canções em que a metáfora está mais escondida, não presente no título, como Argumento (“sem preconceito ou mania de passado / quem não quer ficar do lado / de quem não quer navegar / faça como um velho marinheiro / que durante o nevoeiro / leva o barco devagar”) ou Novos Rumos (“vou imprimir novos rumos / ao barco agitado que foi minha vida / fiz minhas velas ao mar / disse adeus sem chorar / e estou de partida”).

O que é essa metáfora recorrente? Por que isso? Se ele é o poeta do silêncio que está sempre metaforicamente navegando, do que ele fala exatamente? Esse meu amigo que ouve Paulinho da Viola disse, sem exatamente dizê-lo assim, que ele é o poeta do tempo metafísico. Quando se diz, em Para Ver As Meninas, “silêncio por favor (...) hoje eu quero apenas uma pausa de mil compassos (...) quem sabe de tudo não fale / quem não sabe nada se cale”, e logo após se anuncia o objetivo pouco modesto (ele pode) “porque hoje eu vou fazer /ao meu jeito eu vou fazer / um samba sobre o infinito”, no próprio samba que já está feito, cria-se um efeito de algo sutilmente eterno, se se pode dizer assim. Porque ao dizer “vou fazer um samba sobre o infinito”, e o samba que se escuta é o próprio samba a ser feito, fundem-se presente e futuro, e também passado, que é quando, na realidade, houve o trabalho da criação poética. Mas é um argumento difícil, senão de aceitar, pelo menos de formular. Talvez ele retome, não sei, de Pessoa, que “navegar é preciso / viver não é preciso”, porque de navegar que é feito o viver (com sentido diferente ao dado pelo poeta), então navegar é viver, e isso implica a passagem do tempo. E como esse tempo é sempre inapreensível, tal qual a água do rio que sempre e eternamente passa, só cabe numa metáfora de marinheiro. Num conjunto de metáforas. No conjunto da obra de Paulinho da Viola. É o viver que melhor se explica nas metáforas de navegar, porque o tempo, de qualquer forma que se olhe, é abstrato, invisível e apenas experienciado no presente e fugazmente. Não se pode “ver” o passado. Não se pode prever o futuro. No presente só se pode estar, e estar no tempo presente e senti-lo ao mesmo tempo é quase conversa de louco ou papo de livro de auto-ajuda. Mas as metáforas de marinheiro criam um efeito quase que visual para o que é esta passagem do tempo, para o que é o transcorrer da vida. Acho que estou passando da conta. Garçon, a saideira!

Eu não imagino muita gente discutindo as letras de Paulinho da Viola. Exceto talvez, aquelas menos elaboradas, que também existem. Mas as letras mais sofisticadas não são para qualquer um. Talvez na mesa ao lado, nesse mesmo boteco, se encontrássemos o Ferreira Gullar, o Chico Buarque, o Aldir Blanc e o Leminski, este se ainda fosse vivo, esses poderiam estar falando com propriedade das letras mais poéticas de Paulinho. Outros meros mortais estariam sendo atrevidos se falassem. Eu quase me atrevi. Mas não. Foi tudo conversa de boteco, desconsiderem. Só disse que Paulinho da Viola é o poeta do silêncio, e cumprindo seu desejo para que seja feito o samba sobre o infinto, aqui me calo.



Até a próxima!

Luis Felipe

Para um amor no Recife

(Paulinho da Viola)

G#7/13-

C#m7 F#m F#7
A razão porque mando um sorriso
Bm7
E não corro
Bm/A
É que andei levando a vida
C#m7
Quase morto
C#7 F#m
Quero fechar a ferida
B7 C#m7
Quero estancar o sangue
F#m B7
E sepultar bem longe
B7/13 B7 C#m7
O que restou da camisa
G#7/13- C#m7 A7 G#7
Colorida que cobria... minha dor
F#m B7
Meu amor eu não me esqueço
C#m7
Não se esqueça por favor
C#7 F#m
Que voltarei depressa
B7 C#m7
Tão logo a noite acabe
F#m B7
Tão logo este tempo passe
B7/13 G#7/13- C#m7
Para beijar... você



A cifra foi tirada a partir da gravação original (álbum de 1971)

Até a próxima!

Luis Felipe